Deus e o diabo no céu da Terra (IV/V)

4. Juízo Final dos heróis da Batalha do Meteoro Assassino

            A imensa maioria dos desencarnados da Batalha do Meteoro Assassino, inclusos alguns heróis do Forte Apache, foram encaminhados para os salões do Grande Vestíbulo, mas um grupo pequeno – o presidente, seu filho, dois ministros do governo e um do STF e o pastor que fretara ônibus para levar os fiéis para Goiânia a R$50,00 a cabeça, além de um ex PM que atuava como motorista de uma das autoridades mas, desconfiava-se em Brasília, que era do Escritório do Crime no Rio – foi considerado preferencial e devidamente postado na fila em frente à sala menor, para aguardar o chamado de Deus.

Consciente de sua importância, o presidente avisou aos parceiros de fila para não se preocuparem pois ele era bem próximo de Deus, até mais do que de Trump, e assim que fosse chamado, iria ter uma conversinha ao pé do ouvido com Ele, para dispensar aquela formalidade e mandar todos para o Céu (o PM resmungou baixinho: “Quem disse que eu quero ir pro Céu?” Mas, felizmente pra ele, o Mito não ouviu). Que, aliás, ficou ligeiramente irritado quando a voz vinda da sala, não o chamou primeiro, mas o filho.

Como é sabido, Deus é esperto que nem o diabo. E chamou primeiro o filho do presidente por saber das qualidades dele como frequentador e disseminador de mensagens nas redes sociais pois, em mais uma transgressão às suas próprias regras (quem pode, pode!), queria que, desta vez, as conversas que ele ia ter com as almas preferenciais fossem de conhecimento público, mesmo que parecessem meras fake news.

Assim, sabendo-se que o cérebro do twiteiro já se encontrava em processo de decomposição na longínqua Terra, Deus conseguiu interligar sua mente álmica ao computador do guruzão da família que, consequentemente, passaria a transmitir simultaneamente para todos os seus discípulos  e alunos dos cursos de Astrologia Política ou de Filosofia Anal. Ou seja, em pouco tempo, robôs treinados e bem remunerados  transmitiriam pra milhares de brasileiros, para tristeza de uns tantos e alegria incontida de outros tantos, o destino de seus heróis/bandidos, dado diretamente por Deus.

Estabelecidas as conexões, era a vez do próximo. Mais irritação para o presidente, pois o chamado foi o seu ministro da Economia. Lá dentro, o diálogo foi curto e grosso:

– Sabemos que o senhor recebeu uma bolsa de estudos do Estado brasileiro para formar-se numa das melhores faculdades de Economia do mundo, em Chicago.

– Está correto.

– No entanto, sua única meta como ministro do governo é reduzir ao mínimo a presença do Estado, não só eliminando a possibilidade dele garantir a sobrevivência de um imenso contingente de brasileiros não empoderados (Deus gostava de mostrar-se antenado com os tempos, empregando palavras novas de qualquer língua), mas também dificultando a presença destas pessoas em faculdades, mesmo públicas.

– Perdoe-me, Deus Pai, mas não há possibilidade desta massa inerme, inculta e preguiçosa contribuir para o desenvolvimento econômico da minha Pátria. Os bem nascidos, como sempre fizeram ao longo de 500 anos, têm o direito de nascença de estabelecer os parâmetros da boa governança, seja contribuindo para o desenvolvimento contínuo de sua classe, seja mantendo o povo em seu lugar, trabalhando lealmente para tornar o Brasil um país democrático, temente a Deus e fiel ao lema ‘Ordem e Progresso’.

– Na sua concepção, então, quem tem mais merece ter cada vez mais, e quem tem menos precisa trabalhar muito para propiciar mais a quem tem mais… Muito interessante esta perspectiva. Pena que não deu certo em 500 anos de governança de sua classe, não é mesmo? Acho que o objetivo sempre foi outro… e tenho certeza que a avareza é um pecado capital, o senhor sabia?

Foi mandado diretamente pro Inferno.

– Próximo! – ecoou a voz ribombante da sala… O presidente se adiantou, mas foi seguro por dois anjos que ficavam à entrada. Já ficando vermelho de raiva, viu seu ministro da Justiça e Segurança Pública sendo empurrado, meio a contragosto, para dentro. Outro diálogo curto e grosso:

– Sabemos que o senhor iniciou sua ascensão ao estrelato a partir do fracasso de sua operação contra a corrupção ocorrida num banco de seu Estado. Apesar da delação combinada com um doleiro e da obtenção de provas contra os políticos no poder à época, foram presos apenas bagrinhos e os graúdos continuaram politicando e corruptando à vontade…

– Eu nunca aceitei a derrota naquela oportunidade… Sabia que teria outra chance de arrebentar com os políticos corruptos que se safaram daquela vez!

– Mas, os atalhos não muito legais que o senhor utilizou para criar e manter a Operação Lava Jato sob sua jurisdição, não visaram aqueles políticos corruptos que se safaram daquele processo, mas exatamente os opositores deles, beneficiando os primeiros mais uma vez, que puderam reassumir o poder e estão corruptando à vontade de novo, mesmo o senhor sendo ministro da Justiça…

– Político é tudo igual, como diz minha adorada esposa. Nosso país não merece esta corja de safados e enganadores. Ter a satisfação de prender uns é um grande ponto a meu favor na balança do poder. Prender um inferior que contestou tudo que meu saudoso pai – que Deus o tenha – me ensinou, então, é motivo de inimaginável orgulho e satisfação pessoal. Só eu tive o imenso prazer de conseguir isto…!

– Sinto lhe dizer que não tenho seu pai e, mais grave, que orgulho e vaidade são pecados capitais, o senhor sabia? Associados à vingança, então… bau bau!

Foi mandado diretamente pro Inferno.

Descontrolado, a ponto de São Pedro ter que aparecer e, colocando a mão na sua cabeça, mantê-lo em seu lugar na fila, o presidente ouviu a voz chamar o próximo e os anjos encaminharem à sala de Deus o ministro do STF. Toda encolhida, olhando de soslaio e se escondendo em sua toga preta e com as duas mãos sobre a própria cabeça, a alma do ministro caminhou sorrateiramente pela fila até a sala iluminada. Parece que Deus não estava muito afim de fazer hora extra e foi mais uma conversa curta e grossa:

-Porque te escondes em tua própria sombra, Excelência?

– A queda do meteoro provocou uma imensa desgraça, Sua Eminentíssima.

– Eminentíssima é a sua vó! – Deus tinha horror a puxa-saquismos – Eu sei que foi uma desgraça, pô! Mais de 300 almas só do Brasil estão aqui neste momento. E o senhor se acha responsável por isto? Por que sentou em cima do auxílio-moradia de seus pares? Ou porque suspendeu o juiz de garantias? O senhor acha, por acaso, que eu meço os homens pelas suas falhas de caráter?

– De modo algum, Meu Pai! Eu só me escondo porque a desgraça do meteoro queimou minha peruca…

– Só podia ser! Sinto lhe dizer que pra onde o senhor vai poderá ter todas as perucas que desejar nos espelhos que quiser olhar, mas vai preferir ficar careca. Acho que o senhor desconhece que a vaidade é um pecado capital, não é mesmo?

Foi mandado diretamente pro Inferno.

Quando a voz da sala chamou o próximo e, mais uma vez, o presidente foi contido e o pastor que fretara 20 ônibus e cobrara R$50,00 por cabeça para a viagem à Goiânia foi encaminhado à sala, o presidente subiu nas tamancas:

– Isto é uma afronta, táokey? Eu sou o presidente daquela bosta de país! Mas sou eu que mando, p…a*! Mereço respeito! Nem o Edir Macedo passa na minha frente! Quem este idiota pensa que é para me deixar como último da fila? Deus?

Dois anjos se aproximaram dele, pegaram-no pelos sovacos e levaram-no para a lateral da sala, onde São Pedro em pessoa, o aguardava. Havia ali um escorregador onde o presidente foi, sem rodeios, assentado. Não percebeu para onde o escorregador o levava e continuou xingando em altos brados: “Eu sou o Mito, táokey?

São Pedro aproximou-se e colocou suas mãos sobre os ombros do presidente, que continuava a reclamar e balbuciar alguns palavrões inaudíveis até ver o final do escorregador em que estava sentado: uma escuridão total. O disque-disque no Céu é claro a este respeito: todas as almas que escorregam ali chegam ao final totalmente borradas. Mas enquanto descia contra a escuridão, o Mito pensava em quanto ele teria sido um bom guerreiro metralhando comunistas, se um major comunista não o tivesse acusado de terrorista… e, enquanto trincava os dentes para não berrar, se borrava todo!. (continua amanhã)

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