1º de abril (II)

Evidentemente, para que o país alcançasse este nível de falsidade sem “freins et  contrepoids”, a teoria de poder de Montesquieu, que pressupõe a existência de freios e contrapesos para não se tornar absoluto, precisava haver uma espécie de acordão silencioso entre as forças gradas do país, o que, claro, ficou cristalinamente comprovado a partir de uma famosa gravação feita em março de 2016 (e vazada em maio), entre Sérgio Machado e Romero Jucá, logo após o STF aprovar a prisão após 2ª Instância.

Nesta época, a Lava Jato era o poder absoluto no país. Sérgio Moro e seus intocáveis criaram um inimigo interno poderosíssimo, a corrupção, e assestaram suas baterias para o governo federal constituído, tendo a Petrobrás como símbolo do orgulho nacional a ser destroçado e Lula e o petismo como inventores e principais culpados do cancro que carcomia a Nação, um cancro histórico que começou em 1500, quando as multinacionais de então, as própria nações, compravam os índios, trocando espelhos, badulaques e bijuterias por pau brasil.

Complementarmente, o acórdão dos poderes superiores – Congresso, Justiça, Forças Armadas – e das pessoas de bem, que se vestiram de verde-amarelo e bateram panelas pelas ruas e varandas dos prédios chiques de grandes e médias cidades brasileiras, transformou a corrupção de um lado só no único e maior problema do país, exigindo atitudes e atos que a combatessem e, junto, o petismo e seu ‘capo’.

Havia um problema sério, porém: o próprio ‘capo’. Apesar da campanha constante e permanente da grande imprensa, Globo à frente, desde que ele se revelara uma liderança política em ascensão, a partir do Sindicato dos Metalúrgicos, a bem avaliada gestão na Presidência da República por 08 anos, de onde saiu com mais de 80% de aprovação, uma aprovação pouco desgastada 06 anos depois desta saída, podia inviabilizar o golpe institucional que estava sendo gestado.

O novo poder das redes sociais, então, virou arma de guerra: a mentira começou sua escalada rumo à fama. No início, ainda usando a plataforma tradicional, especialmente Veja e Jornal Nacional, foram os milhões de dólares cubanos enviados ao PT em caixas de uísque e as forças paramilitares da Venezuela que estavam entrando no Brasil para apoiar as invasões dos sem terra (as manchetes berravam, a repercussão era violenta e depois nada era investigado ou comprovado… valia o efeito sobre a massa, apenas…)

Em seguida, as fake news ganharam asas próprias. E veio o avião supersônico do Lulinha, a mansão do Lulinha em Piracicaba, a Ferrari dourada do Lulinha, Lulinha como dono da Friboi, as fazendas do Lula no Pará, em Tocantins, em Goiás (onde só uma teria 135 mil hectares) , Lula como um dos homens mais ricos do mundo indo parar na capa da Forbes, Bolsa Família como programa do PSDB, não do PT… e por aí afora.

Muita gente boa que frequenta os grupos que eu participo acha que fake news é bobagem… é pra ler, rir e delatar. Não é não! Muita gente boa acredita ou, mesmo não acreditando, retransmite, seja porque acha que os receptores também não vão acreditar, seja porque , como ele não gosta do insultado, da vítima da mentira, não custa nada brincar com a cara dele e botar fogo nas redes sociais. Eu disse gente boa… imaginem gente má!

Vou dar outro exemplo objetivo: numa reunião social na casa de amigos, um general de pijama parente dos anfitriões estava indignado numa roda em que a discussão política rolava solta, mas sem agressões. Motivo da indignação: uma senhora que morava em Nova Paranaitinga, em Goiás, havia  dito a uma amiga da comadre de uma cunhada sua que estava no cartório da cidade quando viu Lula chegar num carro preto com motorista e, acompanhado de um senhor de terno e dois conhecidos fazendeiros da região, entrar no dito cujo para assinar uma escritura. Mais tarde, ficou sabendo que ele comprara a maior fazenda de gado leiteiro de todo o norte goiano.

Este tipo de história era corrente, já estava acostumado. Me assustou o fato de receber, uns 10 minutos depois, no celular, de um grupo de chacareiros do núcleo rural onde moro, a nova bomba: “Lula é dono de uma fazenda de 135 mil hectares no norte de Goiás.  Nos dias seguintes, a mentira foi aperfeiçoada e enriquecida: apareceram fotos da mansão rural, das milhares de cabeças de gado pastando prazerosamente, e até uma montagem com Lula com chapéu de cowboy sentado numa cerca.

Faltava o ‘crême de la crême’, as acusações judiciais a Lula. E a Lava Jato não deu pra trás. Primeiro, a cota de uma cooperativa para compra de um apartamento em Guarujá transformou-se num tríplex com elevador exclusivo numa das praias mais farofeiras do país. Depois, a reforma de um sítio de compadres, com direito a barco de lata e pedalinhos, e até uma torre exclusiva de televisão, virou propina de empreiteiras para uma propriedade de Lula (aliás, o juiz relator do caso, Gebran Neto, criou até uma figura jurídica fantástica para condenar Lula: o dono de um imóvel não é quem tem a escritura, mas quem o frequenta!).

 

Não podia dar outra: manipulando bem as redes sociais, diretamente através do filho carente, de milicianos digitais e robôs devidamente pagos por empresários amigos, e com discreto ou envergonhado apoio dos baronato, da imprensa familiar, da classe média bem nascida e de parte da pobreza, recém incorporada à classe baixa, o clã Bolsonaro empalmou o poder.  Mas não se adequou aos princípios comportamentais que se presumem essenciais ao exercício do poder em um país democrático. Transformaram o 1° de abril no símbolo do governo… E a mentira atingiu a glória! Chicó teria vergonha de conta-las… (termina amanhã)

 

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