Um homem de bem (II)

Coincidentemente, no dia que saiu a nomeação, Hector estava de férias em Juiz de Fora e, na comemoração do militar, no restaurante do sogro, este fez questão de apresentá-lo ao novo chefão. O general, após o rega-bofe, convidou-o para uma conversa particular, quando ele mostrou todo seu conhecimento sobre seu serviço e sobre a empresa, recebendo convite, então, pra ir trabalhar diretamente com o general, em Brasília. Aceitou na hora.

Brasília era outro mundo. Henry Kissinger, um judeu alemão que emigrou pros Estados Unidos por causa da perseguição nazista, e que foi o poderoso Secretário de Estado americano no governo Nixon, disse que “o poder é  o afrodisíaco mais forte!” Hector descobriu isto em pouco tempo de Brasília, não apenas no aspecto do relacionamento profissional como no pessoal.

Como assessor do gemeral-presidente da empresa, passou a conviver com ministros, deputados, senadores, juízes e, principalmente, com a burocracia estatal, pessoas que não aparecem na Mídia, mas que, na realidade, movimentam as rodas da República… Figuras ocultas para a população em geral, mas que têm o poder ilimitado de influenciar aqueles que executam, legislam e julgam os atos governamentais.

Como assessor do general-presidente da empresa, passou a conviver, também,  com servidores públicos de baixo, médio e alto escalão preocupados em manter ou galgar um determinado status, o que o levou a promover reuniões sociais na própria residência – um custo alto com um único objetivo, ser uma figura confiável do sistema… Acabou sendo. Mas a que custo?

Maria Antônia continuou fiel ao pentecostalismo… e ele, apesar de continuar frequentando a igreja, transformou suas convicções religiosas em alavancas de poder. Assessor do rei era bem mais que um fiel do pastor e leal servidor de Deus… com direito às 07 virgens no Céu, caso fosse islamita! Mas, uma amante na Terra era perfeitamente possível e merecível, para um fiel servidor do Deus cristão…

Angelita era funcionária da área financeira da sucursal de Goiânia. Viúva, 02 filhos menores, agitada e efusiva, mas consciente das responsabilidades profissionais, foi uma parceira tecnicamente perfeita para as avaliações contábeis que Hector teve que fazer, certa feita, na sucursal. E uma guia inigualável de Hector pelas noites goianienses: bares, boates, shows, a esfusiante vida noturna de Goiânia, uma antítese da vida caseira pentecostal com Maria Antônia.

Mudou o general de plantão e mudou o general presidente da empresa de Hector. De assessor da presidência, transformou-se em funcionário de estatal – concursos públicos só viriam com a Constituição de  1988. Mas, era capaz e eficiente e se tornou chefe da seção de Contabilidade da empresa e, como tal, associado ao passado poderoso, conseguiu transferir Angelita para a Sede, num arranjo bem adequado, um padrão em Brasília: esposa e filhos, que, no caso dele, não havia, presentes às reuniões sócio/familiares, e amante sem filhos, que, no caso dele, havia, para o gozo da vida.

Não durou muito tempo… Ou, melhor, durou menos tempo que Hector gostaria. Maria Antônia não era tão crédula e desinteressada quanto lhe parecia. Percebeu a vida dupla do marido, foi atrás e colocou-o na parede: me dê uma pensão consistente que eu topo o divórcio e volto pra Juiz de Fora… Hector resmungou, conversou com colegas advogados, falou com Angelita (que gostou da proposta sem pensar nas consequências financeiras), e acabou acitando. Maria Antônia foi-se e Angelita tornou-se AngelitaPerez Garrastazu dos Santos…

Não tiveram mais filhos – Hector se achava ‘muito velho’ para isto, e continuou se recusando a fazer quaisquer exames a respeito e Angelita não insistiu… bastavam seus dois filhos do primeiro casamento, agora assumidos e protegidos por Hector. E a vida continuou rotineira, os filhos crescendo, tornando-se homens, família e amigos se reunindo pruma churrascada nos fins de semana, o trabalho cada vez mais entediante e chato, até Hector se aposentar.

Eu conheci Hector quando da fusão das empresas em que trabalhávamos. Mas não tivemos maiores contatos até estarmos aposentados, quando me tornei conselheiro do instituto de previdência privada que nos garantia uma aposentadoria mais tranquila que o INSS nos proporcionava e ele, como quase todo aposentado sem muita atividade, sempre apareceia por lá, fosse para reclamar de alguma coisa, fosse para sugerir alterações em projetos e regulamentos gerenciais da área financeira. (termina amanhã)

 

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