Um rolé por Pindorama (IV)

Aí, o presidente surgiu por trás do palco – Jesus sabia que o nome não este este, mas achou-o pertinente, pelo show que estava vendo: aos gritos de Mitô! Mitô! Mitô! de um lado, e de Bozó! Bozó! Bozó! do outro, Sua Excelência aproximou-se da Mesa Diretora, onde o esperava o presidente da Casa.

Junto com ele, numa fila indiana, também aproximaram-se da Mesa,  os três filhos do presidente, em ordem etária, o O1, o 02 e o 03, e dois generais carregados de medalhas, um barbudinho de óculos e guarda-chuva aberto, que postou-se do lado esquerdo da Mesa e começou uma simulação:  se abaixava, fingia catar uma pedra no chão e a atirava contra o lado esquerdo do plenário ou das galerias.

Outro integrante da fila, este bem barbudo e vestindo um terno Armany, postou-se do lado direito da mesa, abriu um grande painel com a figura do astrólogo residente nos Estados Unidos, dito guru do presidente. E um terceiro membro do pelotão, com um terno verde menos estiloso e de óculos de aros vermelhos, postou-se atrás da Mesa, carregando um lampião aceso na mão direita e um canecão de chope preto na mão esquerda (São Pedro cochichou rápido: não é chope, Senhor, é petróleo); de tempos em tempos, ele aproximava o lampião do petróleo, mas só aproximava.

Jesus firmou a vista e pensou alto: Uai! O tema não é constitucional? Não tem ministro do STF presente… Aliás, nem o ministro da Justiça está na fila indiana! Alguém olho-o como se ele estivesse falando sozinho, e sorriu condescendente. E São Pedro ciciou, com certa alegria na voz: – Faz muito tempo que ele não aparece, Senhor. Desde que ganhou o cargo de ministro, perdeu utilidade…

As autoridades permaneceram de pé à Mesa, sendo imitadas por  plenário e galerias, para execução do Hino Nacional. Encerrado sob aplausos gerais e antes que o presidente da Casa fizesse o tradicional  introito da sessão conjunta do Congresso, o presidente assumiu o microfone e, sem meias palavras, verberou:

-Eu disse para o povo piauiense, uma terra miserável governada por um petista, que eu vou acabar com o cocô no Brasil! O cocô é essa raça de corrupto e comunista. Eu disse pro povo acreano, outra terra miserável que foi governada anos pelos petistas, que nós íamos metralhar a petralhada de lá… Íamos botar estes picaretas pra correr do Acre… Já que eles gostam tanto da Venezuela,  essa turma tem que ir pra lá! Só que lá não tem nem mortadela, heim galera? Vão ter que comer é capim mesmo, taoquei?

O Plenário e o lado esquerdo das galerias começou a se levantar num murmúrio que ia se avolumando quando o presidente deu um murro na mesa e berrou:

– Eu disse que em 2019, nós íamos desmarcar as terras da Raposa do Sol, nós íamos dar fuzil com porte de armas para todos os fazendeiros… Eu sempre disse que sou favorável à tortura, e fui muito claro e direto em afirmar que através do voto, não se muda nada neste país!… O Brasil só vai mudar no dia em que partirmos, infelizmente, para uma guerra civil… matando uns 30 mil! Pois este dia chegou!

– O lado esquerdo do plenário e das galerias se levantou de vez e começou a berrar ensurdecedoramente, abafando totalmente uns primeiros gritos de Mitô! que haviam começado do lado direito das galerias. Para espanto de Jesus, o lado direito do plenário ficou  mudo, com uma dúzia de parlamentares, mulheres à frente, apenas fazendo gestos obscenos para o lado esquerdo (São Pedro sussurrou: o dedo médio levantado significa mandar alguém tomar naquele lugar, Senhor).

Uma chuva de objetos começou a voar em direção à Mesa (Jesus chegou a ver alguns smart phones, lap tops e maletas de executivos sendo arremessadas). O lado esquerdo das galerias começou a se movimentar em direção ao lado direito e Jesus pensou em levantar os braços e fazer um gesto com as mãos congelando o povo como naqueles filmes de ficção científica, mas soldados do Exército se anteciparam e preencheram o corredor central, cassetetes ameaçadores levantados, de frente para o lado esquerdo das galerias.

A mesma cena se repetia no plenário. Aos borbotões, centenas de uniformes verdes se infiltraram pelos corredores e foram empurrando os parlamentares do lado esquerdo em direção à porta central de saída do plenário, para um corredor, onde havia um corredor polonês, formado por mais soldados mais ou menos escolados em corredores…

Sob protesto de São Pedro, Jesus permitiu-se virar apenas uma alma e levitou por sobre o público e parlamentares que eram tocados como gado por soldados comandados por oficiais que bradavam: “Peguem aquele ali… Porrete nesta aqui…” E observou que grande parte dos soldados era de cor, enquanto os oficiais, com raras exceções, eram brancos e, incrível!, alguns azeitonados como ele!

Ficou puto, mas antes de pedir seu teletransporte para a rodoviária central – Jesus queria observar qual o significado de guerra para o presidente – olhou o palco e viu um dos generais sapateando em cima da Mesa Diretora, agitando os braços e berrando; “Nós voltamos, sua cambada de frouxos! Corja de comunistas… o Haiti é aqui!” E viu o homem de terno verde e óculos de aros vermelhos, aproximar a mão esquerda da mão direita, botar fogo no petróleo e jogar  a lamparina e o canecão contra a parede, de onde logo surgiram labaredas. (continua amahã)

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