Um rolé por Pindorama (III)

Caminhando pela larga avenida, os montes de carros, ônibus, bikes e transeuntes que cruzavam com ou passavam por ele, desconheciam-no completamente. É óbvio que ele não estava de camisolão e nem trazia a coroa de espinhos na cabeça… E nem era branco, louro e de olhos azuis como as tantas imagens dele penduradas até mesmo em suas igrejas. Mas, como todos os corpos celestes, tinha aquela aura especial o envolvendo, que deveria chamar a atenção de quem o via. O problema é que ninguém via nada. Arrastavam-se, como zumbis…

Passou por imponentes palácios e pouco atraentes caixotes retangulares até chegar à sua igreja favorita, a Catedral Metropolitana de Brasília, dedos entrelaçados voltados para o céu, numa oração permanente a Deus. Ficou admirando-a, duas lágrimas escorrendo de seus olhos, e orou: -Pai! Como o Senhor explica que tanta fé feita de cimento armado possa ter sido criada por um comunista? Deus não respondeu… talvez também não saiba. E Pedro se meteu:

– Respeito e compartilho sua adoração e suas lágrimas, Senhor, mas acho que não é bem assim… Segundo alguns, não são mãos orando, mas uma mandala. JK queria um templo ecumênico, para abrigar todas as religiões, mas a igreja católica era muito poderosa ainda!

– Não muda minha emoção, nem meu conceito de belo, tio… E quem criou a beleza foi o Pai, não concorda?

Continuou andando e passou por uma pirâmide em miniatura, que estava fechada para a 15ª reforma em 20 anos, e chegou numa muvuca de gente, parcialmente fechada também, para a 18ª reforma em 25 anos. Ficou zanzando por lá, no meio do gentio com quem ele queria conversar e, talvez, re-espalhar a palavra de Deus. Quase foi expulso! Havia outras 10 pessoas, homens engravatados e mulheres de midi saias pretas e blusas fechadas, todos com a bíblia na mão, pregando a palavra de Deus. Teve um, mais rude, que chegou a ameaçá-lo: -Ô Azeitona, vá procurar uma esquina pra você longe daqui, que aqui já tem dono, pô!

Parou em frente a uma banca de revistas. Todos os jornais pendurados gritavam uma única coisa: “Expectativa no Congresso! Presidente vai ou não vai?” Uai! – pensou… Numa democracia, o governo do povo, um presidente eleito pelo povo, pode se recusar a ir ao Congresso?  Comprou um dos jornais, sentou-se no banquinho de uma lanchonete, pediu uma água mineral com gás e começou a ler a notícia.

Aí percebeu que já estava na hora do presidente ir ou não ir ao Congresso e seria instrutivo ele estar lá também. Deixou o jornal no balcão e saiu correndo. Chegou à rampa de entrada do Congresso meio esbaforido e quase é preso por invadir a área de segurança… Havia um monte de soldados em volta, nos arredores e no alto das bacias, tudo de metralhadora… Percebeu até dois snipers em cima do pegador de roupa. Foi informado, então, que o povo, para entrar na Casa do Povo, tinha que se inscrever com antecedência, passar por uma investigação e ser fichado, ganhando um crachá por tempo determinado ou um convite  para uma única visita.

Levantou as mãos pro céu e São Pedro providenciou seu tele-transporte para um acolchoado salão verde, onde dezenas de rodinhas de parlamentares, jornalistas e convidados tomavam cafezinho e conversavam animadamente. Segurou seu smart phone e, como se fosse um jornalista, se aproximou de uma roda maior e mais compacta que cercava duas mulheres a ponto de se engalfinharem, rolando pelo chão como tem acontecido nas últimas novelas que Madalena obrigara ele a assistir.

O barraco era formado por uma loura rechonchuda e uma morena de óculos, pouco mais velha. Os homens não falavam nada, escutavam e, sutilmente, torciam para que as vias chegassem de fato. E já pensava em interferir quando Pedro sussurrou: – Sossegue, Senhor, as novelas ainda tem muita influência em mulheres e homens. Se o Senhor interferir, quem vai apanhar é o Senhor… e de todo mundo! Jesus, então,  ajudou um fotógrafo que tentava furar o bloqueio da roda e, feitas as fotos, puxou-o para um lado e perguntou o que estava havendo. Ele explicou. Jesus se afastou um pouco, levantou as mãos para o céu e a vozinha de São Pedro completou:

– O partido das deputadas rachou e a morena comparou  a loura  ao Bispo… Bispo não tem nada a ver conosco não, Senhor… É o nome do louco que deu uma facada (ou fingiu que deu… depende de quem conta o fato) no presidente e ajudou-o a ser eleito. As duas são do mesmo partido do presidente, que quis compensar o filho caçula porque não estava conseguindo dar-lhe a embaixada brasileira nos Estados Unidos. Daí, forçou a derrubada do líder do partido na Câmara e conseguiu o que queria, contra a vontade de metade dos deputados do partido. Ou seja, a loura tinha chamado o presidente de traidor, porque também a derrubara da liderança do Congresso, e a morena xingou a loura de traidora,  e…

– Chega, tio! já entendi. Eu achava que briga de foice no escuro só acontecia entre facções e partidos de esquerda, mas estou vendo que o pega pra capar não tem lado nem ideologia…

– Bom, historicamente falando, não é muito comum a direita se dividir e se estapear, principalmente no Brasil. Ela tem tradição de se unir, mesmo que haja divergências tópicas ou profundas entre as ideias e diretrizes de uma facção ou outra, mas o interesse maior as mantém unidas: assumir o poder e todas as benesses que isto lhes proporciona. Alcançado o poder, o butim é dividido pacificamente entre eles. Tanto que as duas eram bem amiguinhas até ums meses atrás!

Jesus borboleteou por outras rodinhas até que soou uma campainha e o salão foi se esvaziando, todos caminhando apressadamente para o plenário do Senado: o presidente tinha ido… e estava chegando! Guiado por São Pedro, Jesus se encaminhou para as galerias e ficou surpreso com a eficiência dos servidores da Casa. Acompanhando a organização do plenário, havia uma divisão nítida nas galerias:  os parlamentares e o público presente que apoiavam o presidente se sentavam do lado direito, e os adversários do lado esquerdo. (continua amanhã)

 

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