Um rolé por Pindorama (II)

-Não! Um nazareno como eu, de pele azeitonada, nariz adunco e com os  cabelos encrespados por Madalena,  não será bem vindo nem escutado entre os negros e mulatos. Que tal na Palestina? Eu nasci lá, vivi lá, morri lá…

– Não aconselho. Israel está em processo eleitoral e o Netanyahu costuma criar caso com os palestinos pra ganhar votos entre os radicais e botar medo nos democratas, pacifistas e isentões. E o Hamas revida com homens e mulheres-bomba. Vai que o Senhor esteja perto de um ou uma!

– Mulheres-bomba, tio Pedro? O que elas ganham no céu de Alá? Mancebos virgens? Ah! Já sei… Vou descer no Vaticano pra conversar e pedir sugestões a Francisco.

– Tem dois problemas: o Espírito Santo pode não gostar, porque só ele fala diretamente com o Papa, e a Santa Sé também pode não gostar da sua presença junto de Francisco. Ele anda falando e fazendo umas coisas que estão deixando a burocracia vaticana de cabelos em pé. Tem até um monte de cristãos chamando o Papa de comunista!

-Estados Unidos, então?

– É onde tem mais cristão que, em seu nome, chama o Papa de vermelho. Até o presidente costuma fazer isto… Além do que, quando o Senhor estiver andando e pregando por lá, eles podem achar que o Senhor é mexicano ou centro-americano, prendê-lo e deportá-lo, ou matá-lo, se estiver muito perto da fronteira.

-Inglaterra, então… Eu gosto da fleuma britânica, fui um garoto que amou os Beatles e os Rolling Stones. E Madalena me mostrou um vídeo outro dia de uma ópera chamada Jesus Christ Super Star, que eu achei bárbara! Eu acho que eu me sentiria muito bem num lugar em que eles me transformaram num astro do rock and roll, não acha? Aliás, será que Deus não deixa eu levar Madalena para a Terra comigo…?

– NÃO! As paredes da portaria balançaram e a voz tonitruante de Deus fez Jesus arrepender-se da ideia imediatamente. E Pedro, compreensivo:

– Já que você falou em Madalena, porque não desce no Brasil, então? Copacabana, biquinininhos, mulatas, Carnaval…

– Grande ideia, tio! As coisas lá andam meio esquisitas, com um pessoal acreditando mais num astrólogo que em mim, falando em terra plana, em que eu mando entregar carro pra filha dum pastor, e com ideias estranhas onde colocar minha imagem crucificada… É pra lá que eu vou! Fui!

Digitou as coordenadas para cair na Bahia, no Raso da Catarina, por onde andara Antonio Conselheiro. Ele tinha lido um livro de um peruano e ficara encantado com a devoção dos sertanejos que foram viver em Canudos, e derrotaram três incursões do Exército brasileiro. Não entendera porque o autor do livro era um peruano e não um brasileiro, mas quem há de entender os brasileiros?

Infelizmente, ele não manejava bem o tele-transportador e não caiu onde queria. Caiu num terreiro ao lado de uma goiabeira. Circunavegou os olhos pra ver onde caíra e viu uma senhora de corpo rotundo e óculos de aros grossos segurando um crucifixo com as duas mãos e falando palavras desconexas enquanto baixava a cabeça até o chão, numa reverência digna… não dele, mas dos fiéis de Alá.

Ouviu, dentro de sua cabeça, a voz serena e esclarecedora de São Pedro:

— Cuidado, Senhor… Despista e saia logo daí. Esta senhora é uma autoridade pública que tem fixação no Senhor e em sexo. Atualmente, ela está empenhada em provar que cristãs devem obedecer seus maridos e moças tementes a Deus não enfiam os crucifixos na vagina.

-Uai, tio… No mundo licencioso de hoje, tem moça que faz ou precisa fazer isto?

– Ela diz que sim e, agora, vai ficar pior ainda: ela vai dizer que viu o Senhor na goiabeira pela segunda vez!

– Mas eu nunca estive ao pé de uma goiabeira! Se fosse oliveira ou tamareira até que podia ser, quando eu dava aquelas escapadas com Madalena, mas goiabeira é a primeira vez…

Saindo de fininho, quando a autoridade baixou a cabeça e demorou-se no chão a resmungar, Jesus Cristo foi andando e se deparou com uma imensa esplanada, onde tremulava uma também  imensa bandeira à frente de um prédio em forma de prendedor de roupa e duas bacias, uma delas de cabeça pra baixo. Jesus estava adentrando o centro do poder do Brasil, o país do futuro desde que o Todo Poderoso criara o Universo e havia milhões de palmeiras ao longo do litoral. No momento estava tendo um retrocesso, mas ainda havia esperança de alcançar este futuro… Por isso, aliás, ele caíra aqui! (continua amanhã)

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