Um rolé por Pindorama (I)

Jesus estava entediado no Céu. Fazia muito tempo já que não fazia nada. Deus não deixava. Ele era seu filho, já cumprira sua missão e, além do mais, o Céu estava cheio de santos, anjos, querubins e serafins para cumprirem as tarefas comezinhas do dia a dia. Mas, quem já foi rei, não perde a majestade, e Jesus decidiu que era hora de voltar à Terra, que estava uma bagunça homérica.

Consciente dos novos tempos na Terra, pediu pra Madalena para dar uma repicada na barba, encrespou um pouco a cabeleira, fez uma tatuagem de Deus disparando raios no braço esquerdo, vestiu calça jeans e camiseta polo, enfiou um smart phone no bolso traseiro da calça (pensou em colocar um brinco na orelha esquerda, mas Madalena vetou) e foi conversar com Deus, que estava dando algumas instruções a São Pedro, mas parou imediatamente ao ver Jesus adentrando o recinto naqueles trajes… (que achou impróprios e degenerados, mas não disse nada). Só olhou firme pro filho, levantando uma sobrancelha…

– Não se assuste, Meu Pai… Não virei bad boy. Eu vou voltar à Terra e tenho que estar adaptado aos dias de hoje. Ah! E não faça esta cara de quem comeu e não gostou, que eu já falei com minha mãe e com São José e eles me autorizaram. Incentivaram até. Eles acham que eu estou ficando gordo e preguiçoso por falta do que fazer aqui em cima. Um rolé pela planície vai me fazer muito bem…

São Pedro sorriu indulgente e interferiu na conversa, mesmo sabendo que Deus não ia gostar:

– Se me permite uma opinião, Senhor, também acho que seria bom para o menino Jesus. E, melhor ainda, para o gentio da Terra, que anda passando por agruras incríveis, esquecendo não só da ira do Todo Poderoso mas também dos ensinamentos do Jesus Cristo feito homem. Se me permite lembrá-lo, eu bem que avisei o Senhor que este negócio de livre arbítrio seria muito perigoso. Além disso, já fazem dois mil anos que Jesus espalhou a palavra de Deus… Tem gente lá embaixo que não se lembra nem em quem votou na última eleição, imagine se vai lembrar do Sermão da Montanha!

-Não me venha dizer que você me avisou, Pedro… Você queria o quê? Voltar a ser Simão Pedro pra arrancar orelhas dos pecadores de novo? Em vez de ser porteiro do Céu, ser o guardião da humanidade, o condutor do gado, de chicote na mão, a vergastar as costas do povo quando ele se desvia do caminho da salvação? Eu criei o Universo, a Terra, os mares, as montanhas, as florestas, os insetos, os animais, os vermes e os humanos, a quem dei inteligência e arbítrio próprios para conduzirem tudo isto. Quando saíram da linha, sacrifiquei meu filho para ensinar-lhes o caminho de volta. E é por isto, só por isto que eu vou permitir que o menino baixe na Terra de novo. Mas, não vou sacrificá-lo outra vez! Se não der certo, mando outro dilúvio, só que de fogo, pra não sobrar vivalma naquele inferno. E não se preocupe: eu arrumarei ajudantes pra você na portaria…

Pedro sorriu pra dento. Séculos de convivência o tinham ensinado a lidar com Deus. Bastou cutucar seu Ego, que era infinito, e o menino Jesus iria realizar seu sonho de voltar à Terra. Virando-se para ele, então, perguntou:

– Você já escolheu o lugar pra onde quer descer primeiro? Jesus balançou a cabeça negativamente…

– Vá para a Portaria. Assim que eu terminar aqui, eu vou pra lá pra te ajudar a escolher. Mas vá pro meu escritório… na portaria mesmo, às vezes, o tumulto é grande!

Pouco depois, Pedro chegou, abriu uma janela panorâmica e apertou o botão de zoom. A Terra, girando imensa naquela imensidão azul, ficou a um toque de mão de Jesus.

– Como é que você quer fazer, meu Senhor? Jogar um raio aleatoriamente e onde ele cair é pra onde o Senhor vai?

-Não acho aconselhável não, Tio Pedro. Um raio meu pode virar um maremoto lá embaixo e o Pai pode ficar furioso por eu tomar o lugar dele. Me diz aí onde as coisas estão piores, homens e mulheres perdidos em suas ambições, desejos, vaidades, ignorâncias, traições e sacanagens, usando violência pra se imporem sobre os outros, mas ainda há alguma esperança… Gente capaz de ouvir a palavra do Senhor como eu a espalhei há dois mil anos.

-Esta é difícil. Síria, Iraque, Afeganistão, Rússia, Europa, Estados Unidos, Américas, África… Etiópia! Talvez a Etiópia, que continua com guerras interna e externa latente, mas tem um primeiro ministro com um jogo de cintura digno do Messi! Está até tentando pacificar as partes… E ganhou o Prêmio Nobel da Paz! (continua amanhã)

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