De volta à terra (II)

”Daí – escreve Dazinha – chego à minha Bahia e vejo a inauguração da aeroporto Glauber Rocha, de Vitória da Conquista, como uma disputa política entre um governador e um presidente da República… Fico sabendo que o governador convidou o presidente para a inauguração, mas o presidente vetou a presença de convidados do governador, que ficou puto e não compareceu… É nisto que se transformou o Brasil? Uma estupidez política comandada pelas redes sociais?

É claro que a Europa tem séculos de história à frente do Brasil! Mas o mundo moderno, a Internet, as redes sociais, acabaram com estas diferenças temporais… A turma que eu convivo em Amsterdam, os amigos e amigas de Rutger, não são intelectuais, têm profissões técnicas, a não ser o marido de uma gerente de pessoal de uma empresa ligada ao metrô, que é professor da Universidade de Utrecht. Eles realizam o ‘gezellig’, uma espécie de reunião semanal num clube próprio – do pessoal do Metrô – onde rola um carteado, bebem cerveja e jogam conversa fora, geralmente sobre a semana de trabalho, futebol e, às vezes, política local.

Desde que eu passei a acompanhar Rutger nestas reuniões, o Brasil virou tema alternativo das conversas: vários membros do clube já fizeram o roteiro dele, em busca da aventura tropical, de levendige vrouwen, ‘mulheres vivas’, que só o Brasil tem! Como homem é igual em qualquer lugar, eles costumam contar seus feitos espetaculares em locais paradisíacos com morenas esculturais, olhando disfarçadamente para mim, num convite descarado do tipo: “Topas”? No começo, eu estranhei um pouco, mas Rutger me sossegou logo: “Como vocês dizem na Bahia, é tudo abestalhado… Não conseguiram conquistar uma deusa como tu e tentam ser o que não são…! (Nestes momentos, eu acho meu Rutger lindo!)

Fora isto, há muita discussão sobre a sobrevivência da democracia. Wilfred, o professor universitário, diz que a democracia está perigando no mundo todo, inclusive na Holanda, e que a coisa fica mais grave no Brasil porque o país nunca teve uma verdadeira democracia: “Uma democracia é muito frágil quando sua elite é imediatista e seu povo, consequência disto, tem uma educação insuficiente; as pessoas se acostumam com a ineficiência do poder político – é tudo ladrão e safado, dizem – mas não têm base cultural nem sustentação econômica para cobrar eficiência e mudar esta situação…

Você concorda?  A meu pedido, Rutger traduziu e botou no papel a fala do professor pois eu ia manda-la pra você lá de Amsterdã mesmo. Acabei não mandando e me lembrei dela na primeira semana que passei na minha praia. O professor tem razão! O povo de Prado, que é uma cidade turística que vive cheia de estrangeiros, é absurdamente passivo, exatamente  por causa do que disse o professor Wilfred: dos quase 30 mil habitantes, apenas 10% tem ocupação permanente, a maioria com salário abaixo de R$1.500,00/mês! Pra completar: o ensino fundamental é cursado por cerca de 20% da população, 6.000 alunos, mas o ensino médio por apenas 5%, menos de 1.500 jovens… Ou seja, 4.500 ficam no caminho!

Não ria, por favor! Não virei estudiosa como você! Como eu estou atoa na vida, curtindo sol, praia, amigos e botecos, me deu vontade de checar a fala do professor e fiz algo que sempre tive vontade de fazer, mas fui adiando, desde que a irmã do padreco de Montes Claros me instruiu sobre a vida e a importância do conhecimento para ela: passei uma tarde inteira na biblioteca da cidade. E tenho voltado lá, cada vez mais impressionada com a visão estreita que o povão tem da vida que leva.

Os europeus, pelo menos os que eu conheço, não são assim. Os amigos do Rutger, por exemplo, sempre apoiaram governos conservadores mas, na última eleição, tentaram radicalizar – o governo era o mesmo há bastante tempo e a economia estava em baixa – mas a Direita Radical perdeu e, passados alguns meses, eles estão satisfeitos por terem perdido – é o mesmo governo, mas a economia melhorou e eles continum podendo falar livremente sem perigo de serem acusados de traição, como seus pais foram durante a ocupação nazista…!

O que eu acho gozado é que a Holanda tem um rei, que manda que nem a rainha da Inglaterra… nadinha! Mas ninguém fala em derrubar o rei porque, me disse Rutger, “derrubar o rei seria destruir o Estado Holandês, acabar com a nossa democracia, um sistema que, com todos os defeitos, funciona há 200 anos”.

Vi você, em seu blog outro dia, lançando o Rei Brilhante Ustra I… Será que daria certo?

 

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