De volta à terra (I)

Algum tempo atrás escrevi sobre um lugar sem crise no Brasil de hoje (ou, a esta altura, seria de ontem?): um suingue clube que ficava na região rural onde moro. Instado por um amigo, fui conhecer o clube e me tornei amigo de sua gerente, Dazinha, que, pouco tempo depois, se aposentou e foi morar numa casa de praia da sua Bahia.

Depois, falei sobre uma carta que ela me escreveu da Europa, para onde tinha ido com um suíço morador da Holanda que a pedira em casamento, apesar (ou talvez por isto) do seu passado de prostituta e gerente de clube de sexo (ao contrário de povos subdesenvolvidos, ainda dominados por crenças religiosas, os europeus ocidentais não consideram sexo como algo revestido de pecado capital). Nesta carta, Dazinha dizia que estava em dúvida se permaneceria ou não na Europa: casar e ficar longe do Brasil não lhe apeteciam!

Esta semana, recebi outra carta dela, desta vez remetida da praia da Bahia onde fica sua casa. Ela não se casou com o suiço, mas acertou um ‘modus vivendi’ interessante com ele: de três em três meses, ela volta à Bahia e passa um mês por aqui… retornando à Europa para viver com ele; e uma vez por ano, ele vem junto, até ele se aposentar. Quando isto acontecer, se mudam definitivamente pro Brasil.

Sua carta não faz mais qualquer insinuação quanto a uma possível ida minha ao seu refúgio. Ao contrário, ela se mostra feliz com o arranjo feito com o companheiro dela. Ela me escreve apenas para discutir a situação do país (ela ama a Bahia, acha que os 16 anos de governos petistas mudaram o coronelismo ancestral dos Magalhães, mas tem medo dos rumos anunciados pelo bolsonarismo). Mais que isto! Ela está receosa de mudar-se, ano que vem, quando o companheiro se aposentar, para sua Bahia.

Em um dos parágrafos, ela diz: “Cumé que um cara que chama os nordestinos de ‘paraíbas’, vai ao Piauí, talvez o mais pobre dos Estados do Nordeste, e é chamado de Mito?” Pelo que eu pude observar, o europeu, em geral, tem posições de esquerda ou direita baseadas em sua vivência, não em preconceitos criados pela Mídia… Há, claro, muito europeu que não gosta de migrante, com suas mesquitas, burkas e coisas tais, e que acha que não se deveria permitir mais a entrada deles na Europa… Mas a maioria deles não abre mão de seus empregados domésticos que, geralmente, são migrantes da África e da Ásia.”

A observação de Dazinha me faz pensar na estupidez da classe média brasileira, a Família Simpson do Bonner.  Bem representados por Bolsonaro, eles detestam a liberdade que os governos progressistas deram às classes baixas brasileiras, que puderam sair da miséria absoluta, que começaram a frequentar aeroportos, que puderam alcançar cursos técnicos e  universidades, que eram prerrogativas da classe média.

A classe média européia em geral – escreve ela – pelo que eu pude compreender do meio em que eu estou vivendo na Holanda, é preconceituosa em relação à religião, mas convive bem com as diferenças sociais e raciais, diferentemente do Brasil. Pessoas de classe média como meu homem e seus amigos, que costumam frequentar minha casa europeia (que coisa chique isto!), têm medo dos atentados terroristas, mas consideram imprescindíveis à boa vida que levam os empregados muçulmanos que ‘possuem’… com quem convivem bem” . Será mesmo? (continua quinta)

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