A história se repete? (III/III)

Com a conivência da família (dizem que Tancredo proibiu a mulher, dona Risoleta, e a família, de falarem com a Imprensa) e da entourage política que o cercava, e contando com a presença de seu porta-voz, Antônio Brito, de credibilidade inatacável e muito bem conceituado desde seus tempos de repórter da Rede Globo, criou-se uma versão: Tancredo tinha uma diverticulite (uma inflamação nas paredes do intestino, na maioria das vezes tratável em casa mesmo), logo se restabeleceria e assumiria o governo. Na verdade, não era bem assim.

Tancredo tinha um leiomioma benigno, que se infeccionou pelas péssimas condições ambientais do Hospital de Base, que estava em obras. Isto é: Tancredo tinha um tumor! Naquela época, 30 anos atrás, para a população em geral, a palavra tumor significava câncer… e câncer era uma sentença de morte para qualquer cidadão, imagine para um não empossado presidente da República civil, que derrotou, dentro das regras impostas por ela, uma ditadura que já durava 21 anos…!

E havia outro risco: o presidente da Câmara, natural substituto do governo do último general presidente, caso os eleitos não tomassem posse, era o deputado Ulysses Guimarães, opositor menos moderado da ditadura, apelidado de Senhor Diretas, o homem que conduziu a campanha das Diretas Já, derrotada, mas responsável direta pela abertura do país. Os militares, principalmente seu núcleo duro – que tinha sido capaz de preparar e executar o atentado do RioCentro – não aceitariam Ulysses presidente de jeito nenhum!

Numa reunião tensa na madrugada do dia 15, o Exército, pela palavra do general Leônidas Pires Gonçalves bateu o martelo: Sarney assumiria como presidente interino na manhã seguinte, formaria o governo com os ministros indicados por Tancredo e não se fala mais nisto… Vamos acompanhar o restabelecimento da saúde se Sua Excelência, o presidente Tancredo Neves!

Ele não se restabeleceu, foi transferido para o Hospital das Clínicas de São Paulo e, enquanto o Brasil permanecia em absoluto estado de  expectativa, aguardando as aparições do porta-voz oficial anunciando, com voz calma e desprovida de emoção, que o presidente tinha recebido os familiares, que o presidente tinha tomado suco, que os médicos acharam por bem operá-lo novamente, ele se submeteu a mais sete cirurgias, até que, em 21 de abril, Antonio Brito apareceu em rede nacional de televisão e anunciou: “Lamento informar que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, faleceu esta noite no Instituto do Coração, às 10 horas e 23 minutos […].

A versão oficial para a causa da morte, diverticulite, perdurou por muito tempo para a população em geral, sempre recheada de muitas fofocas – inclusive a de que ele tinha sido assassinado pela linha dura militar, que não queria voltar para os quartéis – até que em 2005 o próprio corpo clínico do Hospital de Base confirmou que Tancredo morrera em consequência de um tumor que, mesmo não sendo maligno, se infectara e provocara uma septicemia generalizada (no livro ‘O Paciente, o caso Tancredo Neves’, o pesquisador Luiz Mir afirma que Tancredo foi vítima de vários erros médicos).

A história se repetirá?

O presidente Bolsonaro se internou no último dia 27 de janeiro no Hospital Albert Einstein para uma cirurgia de retirada da bolsa de colostomia e de reconstrução intestinal. Coisa simples, tanto que seria substituído pelo vice presidente apenas por três dias, o tempo necessário previsto para que ele pudesse despachar e governar o Brasil numa sala dotada de todas as necessidades para tal, inclusive para receber ministros e demais autoridades do país.

 

De fato, ele reassumiu o governo e o general Mourão permaneceu vice, mesmo falando pelos cotovelos. Só que a sala presidencial, tão publicitariamente preparada, ficou vazia muitos dias, pois houve complicações inesperadas no quadro clínico de Sua Excelência. Sem ‘erros médicos’, ao que tudo indica, Bolsonaro saiu do hospital e manteve o poder em Brasília. Ao que tudo indica, apesar do ato falho da ‘cheirosa’ colunista Eliane Cantanhêde, ele está perfeitamente apto a governar o Brasil… Tanto que chegou ao Palácio do Planalto antes do previsto, disposto a demitir seu braço direito durante as eleições…

Seu braço direito, Gustavo Bebianno, foi presidente do PSL, partido de aluguel a qual se filiou Bolsonaro para se candidatar à Presidência da República. Ganha a eleição, ele virou ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, responsável pelas relações políticas do Governo com o Congresso Nacional e, apesar das ameaças veladas pelas redes sociais, deve ser oficialmente exonerado amanhã, dia 18/02/2019.

Ou seja: a história não se repetirá, pois Bolsonaro não repete Tancredo… Apesar da fantasia criada pelos poderosos de sempre, com câncer ou sem câncer, ele não cairá por uma doença mal tratada, mas por absoluta incompetência! Depois, claro, que os poderosos conseguirem aprovar a reforma da Previdência… Aquela que estabelece que 65 anos é a idade mínima para aposentadoria, algo que já foi considerado um crime pelo atual presidente da República!(fim)

PS. Morto Tancredo, o jornalista Antônio Brito foi convidado a entrar na política, sendo eleito deputado e governador do Rio Grande do Sul. Quando tentou se reeleger e perdeu, foi ser consultor da Telefônica de Espanha, que comprara a CRT – Companhia Riograndense de Telecomunicações, coincidentemente privatizada quando ele era governador… depois, fracassando em retornar à política, foi diretor e presidente da Azaléia e diretor da Claro, ocupando, hoje, a presidência da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. Justos prêmios a quem mentiu com rara convicção e enganou a população brasileira por mais de um mês…

 

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