A história se repete? (II/III)

Um velho amigo me perguntou, outro dia, se este comportamento passivo é imutável, não tinha jeito de ser sacudido. E lembrou as manifestações de 2013… Eu respondi que, sinceramente, não tinha ideia e que 2013 foi um ponto fora da curva, muito provavelmente financiado, por baixo dos panos, pelos poderosos de sempre, como as Marchas com Deus pela Família pré-golpe de 64, e insuflado pelos meios de comunicação, Globo à frente, como sempre (no pré-64, insuflar era uma prerrogativa dos Diários Associados, a Globo da época!)

Para quem não se lembra, as manifestações tiveram origem no protesto pacífico dos estudantes contra o aumento das passagens dos transportes em São Paulo e desandaram, depois do misterioso surgimento de uns tais black blocks (que desapareceram tão misteriosamente quanto, após a queda de Dilma)e de grupos anti petistas mobilizados pela Internet, em quebra-quebras e confrontos violentos com a polícia.

E pedi para ele observar que  esta inapetência do brasileiro para tomar seu destino nas mãos, esta preferência para se quedar frente aos canais de informação e ficar aguardando o comunicado oficial do que está acontecendo,  esta crença no disse-me-disse (a vizinha da tia do meu concunhado conhece uma auxiliar de enfermagem que trabalha no hospital onde o presidente foi operado, e ela disse que…) está se repetindo pela enésima vez.

Pode ser que seja uma sensação exclusivamente minha, um mineiro desconfiado que, em 71 anos de vida, já passou por muitas situações esquisitas. Fato é que eu tenho a nítida sensação de que, de novo, há alguma coisa no ar, além de aviões e urubus. E a razão é simples: um presidente foi internado para uma ‘operação simples’, houve complicações… e o acompanhamento da imprensa sobre a recuperação está sendo absolutamente pífio – a grande imprensa se limita a reproduzir os boletins médicos ditados pelo general porta-voz… e no meio de um monte de outras notícias! Nem na ditadura militar, quando a imprensa era fisicamente censurada, foi assim! O AVC que derrubou (e matou) o general Costa e Silva, 2° presidente do período, e a operação cardíaca feita pelo general Figueiredo, 4° presidente, foi divulgada, fotografada, televisionada… o diabo a quatro!

Muito além do ódio que foi incentivado e exacerbou-se após 2014, quando o petismo se manteve no poder, a verdade por trás desta briga de rua que viceja nas redes sociais é que os grupos poderosos que sempre dominaram o país, estão construindo uma história a ser contada por alguns anos, que lhes dê razão por terem derrubado o governo legítimo de Dilma, por prenderem Lula e por colocarem Bolsonaro, seus miliares e seus fanáticos no poder, mesmo que Bolsonaro, por incapacidade ou morte, seja ‘legalmente’ substituído por seu vice ou por outro pau mandado qualquer.

Para os jovens que costumam achar a história uma coisa chata, uma velharia sem sentido, que não leva ninguém a p…a* nenhuma, relembro uma história que não é tão velha assim, acontecida em 1985, quando a ditadura estertorava e um civil foi eleito novamente, ainda de forma indireta (pelo Congresso). Tancredo Neves, o avô do Aecim, eleito dia 15 de janeiro, tomaria posse como novo presidente do Brasil apenas dois meses depois, em 15 de março.

Quem viveu a ditadura como eu, mesmo considerando Tancredo um conservador que não iria mudar as estruturas sócio econômicas do país como a gente desejava, estava muito feliz pelo retorno da democracia, da liberdade de manifestação, pela perspectiva do fim das prisões políticas, do desmanche dos porões, com o fim das torturas… E o povão demonstrava esta felicidade nas ruas!

Com 75 anos de idade, depois de uma campanha eleitoral intensa, viajando pelo país (a eleição era indireta, mas ele teve que convencer os parlamentares a votarem nele, que sempre fora uma oposição moderada ao governo militar, como a melhor opção para a transição política, o que, convenhamos, deve ter sido extremamente cansativo, física e oralmente…). Sem descanso após a eleição, Tancredo encetou viagens ao Exterior, para garantir apoios internacionais ao futuro governo, um esforço extenuante que implicou  problemas de saúde: ele começou a sofrer intensas dores no abdômen poucos dias antes da posse.

Com receio de os militares se arrependerem da abertura lenta, gradual e segura que ensejara sua eleição, recusou-se a fazer exames antes que se formalizasse a posse no dia 15 de março. Na véspera, 14, passou muito mal numa solenidade no Santuário Dom Bosco, e teve que ser internado, emergencialmente, no Hospital de Base de Brasília. Começaram, imediatamente, as especulações: ‘o ‘hômi tá morrendo!’, ‘não tem como tomar posse!’ ‘Sarney (o vice eleito) toma posse interinamente!’ ‘Não! O presidente não tomou posse… Então, o vice não pode assumir!’ ‘A Constituição diz que o presidente da Câmara é que assume… e convoca novas eleições!’ ‘Diretas? Indiretas?’ ‘Os militares vão revogar a abertura e um novo general (Leônidas Pires Gonçalves) assumirá a Presidência…!’ E não havia redes sociais naquela época!!! (continua)

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