A história se repete? (I/III)

Quem conhece a história do Brasil sabe da postura servil que nosso país sempre teve em relação às potências econômicas, desde os tempos de colônia, quando transferia as riquezas aqui existentes para a matriz, Portugal que, por sua vez, as transferia para a Inglaterra, o grande poder de então . Naqueles primórdios, era uma consequência natural: não havia um país, não havia uma população própria – afora os índios autóctones, caçados como animais pelo interior – e o sonho da maioria de ‘invasores’ era ficar rico e gozar a fortuna em Portugal.

As coisas poderiam ter mudado quando D.João VI trouxe o poder e a corte portuguesa para cá. Mesmo reinando numa época conturbada, com as grandes nações europeias se digladiando pela hegemonia, conseguiu preservar o pequeno reino de Portugal, primeiro como príncipe regente de sua mãe, Maria I, que enlouquecera, e, depois, vindo para o Brasil, para fugir de Napoleão, transformando este em Reino Unido de Portugal e Algarves,  criando inúmeras instituições e serviços que desenvolveram a ex-colônia e criaram os fundamentos da futura autonomia nacional.

Logo após chegar ao Brasil, ainda em Salvador, Dom João mandou criar uma ‘aula pública de economia’ (bons tempos aqueles em que economistas eram, apenas, funcionários dos governantes…!) e uma Escola de Medicina (cirurgia), além de decretar a abertura dos portos às nações amigas, uma medida de valor histórico para o Brasil, que passou a existir para o resto do mundo. Como diz a Wikipédia:

‘Ao longo de sua permanência no Brasil, D. João formalizaria a criação de um grande número de instituições e serviços públicos e fomentaria a economia, a cultura, as artes e outras áreas da vida nacional. Estruturou a administração pública incorporando muitos brasileiros aos quadros funcionais, autorizou a instalação da imprensa e de manufaturas, introduziu novas culturas agrícolas, proibiu a Inquisição, melhorou estradas, criou diversas aulas, escolas e academias públicas, e incentivou a fundação de sociedades científicas e culturais…’

Como o brasileiro não se liga em história, Dom João VI é, até hoje, como retratam filmes, novelas e muitos livros, uma figura  caricata, de barriga proeminente, constantemente com uma coxa de frango nas mãos ou nos bolsos, corno manso dominado pela mulher, a espanhola de buço encorpado e dezenas de amantes Carlota Joaquina, acusado de indolente,  desprovido  de tino político e indeciso, uma pessoa grotesca e pouco digna de ser rei.

Eu não sou psicólogo, historiador ou religioso para desvendar a alma humana mas, no duro, acho que o espírito de vira latas do brasileiro se moldou por aí, nos anos de 1800, quando tínhamos tudo para ocuparmos uma posição destacada entre as nações pródigas do mundo mas, em vez disso, permitimos que nossa elite colocasse a coroa da submissão na cabeça do príncipe regente, porque ele era macho, porque tinha sangue azul como as famílias reais europeias e porque preservaria os poderes, as riquezas e os direitos de nobres e donos de terras e gentes daquele imenso latifúndio.

Infelizmente, o brasileiro não acredita nele próprio. Nós passamos séculos na pré-história… ao contrário de incas, maias, quíchuas, astecas, toltecas e que tais, nós não temos pirâmides, cidades de pedras, ruínas históricas conservadas e apresentadas com orgulho a turistas e estudiosos. Por outro lado, o respeito que nossos indígenas sempre tiveram pelo meio ambiente, por nossa fauna e flora, e com que preservaram nossa biodiversidade, uma riqueza incomensurável que é invejada por todo o mundo, é tratado, por nós, como estupidez de selvagens, um impedimento às plantações de soja e às pastagens, um obstáculo  idiota para o ‘desenvolvimento’.

Nós estamos chegando a 519 anos de cultura europeizada/americanizada e continuamos não nos respeitando como uma Nação, preferindo retratar figuras  fundamentais de nossa história como caricaturas do que foram e do que realmente representaram para os brasileiros. Afinal de contas, um povo com heróis de fancaria não tem exemplos a seguir e imitar e não atrapalha a vida de quem manda, não é mesmo? Por isto, nós preferimos acreditar e fingir que as versões que autoridades e poderosos criam para permanecerem no poder são reais, em vez de buscar e exigir que a verdade prevaleça, pois isto poderia implicar em tomar decisões que nós não gostamos de tomar. E nós continuamos rindo de nossas desgraças…

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