O valor da imagem

Pode ser que eu esteja sendo preconceituoso e, se for, peço desculpas aos meus leitores. Ou pode ser, apenas, que eu esteja sendo ranzinza… e a ranzinzice deve ter a compreensão e o beneplácito dos mais jovens, pois é uma prerrogativa da velhice. O fato é que me causou engulhos a nova imagem do procurador Deltan Dallagnol, chefe da equipe que conduz a Operação Lava Jato.

Há mais de 60 anos atrás, a gente morava num hotel em Belo Horizonte (tínhamos nos mudado para lá recentemente) e minha mãe achou que meu cabelo, ainda encaracolado, estava grande demais. Me levou para uma barbearia que existia na rua Espírito Santo, pediu para o barbeiro ‘baixar’ o meu cabelo, me deixou lá e foi fazer algumas compras por perto. Eu não disse nada – era muito tímido para isto – e ele entendeu que ‘baixar’ o cabelo era cortar do jeito que se cortava o cabelo dos meninos da minha idade naquela época: Príncipe Danilo.

E o que era o corte ‘Príncipe Danilo’? raspava-se as partes laterais da cabeça e mantinha-se o cabelo no topo dela. E por quê ‘Príncipe Danilo’? Há duas origens:

1ª – nos anos 40/50, um jogador do Botafogo se destacou muito além do que se poderia imaginar naquela época, sem tevês e sem redes sociais, sendo epitetado de príncipe  Danilo, por causa do corte de cabelo. Seu cabelo rapado nas laterais, fotografado e difundido pelos jornais e revistas, ensejou imitações dos pais de então, que pediam para os barbeiros cortarem os cabelos dos filhos do mesmo modo, à la Príncipe Danilo!

2ª – existiu uma ordem chamada Ordem do Príncipe Danilo I, de Montenegro (para quem não sabe, uma república situada nos Balcãs, que fazia parte da Iugoslávia), fundada em 1853, que tinha prerrogativas militares e que exigia de seus membros, para distingui-los dos demais,  o corte de cabelo supracitado; certamente, esta deve ser a razão para, praticamente, todos os soldados do mundo usarem este tipo de corte (ainda bem que as ‘soldadas’ não adotaram esta moda…)

Quem é um pouco antenado nas coisas do mundo, sabe que a moda é circular, ela vai e volta de acordo com as figuras famosas que, num determinado momento, se tornam imagéticas e passam a ser imitadas por quem é mais jovem, ainda infantil ou, mesmo, que não tem uma personalidade perfeitamente definida, apesar de já ter passado da idade de tê-la.

Óbvio que os meios de comunicação tem muito a ver com isto. Eu virei fumante, por exemplo, entre os 12/13 anos, quando comecei a assistir filmes americanos em que todos os mocinhos fumavam. Você se tornava aparentemente mais macho, as meninas adoravam aquele cara ainda sem barba tirando um cigarro da carteira, dando uma batidinha na caixa de fósforo (não tinha filtro ainda!), acendendo e soltando fumaça pelo nariz.

Infantil, claro, e prejudicial à saúde… mas imitar James Dean, Marlon Brando ou Anthony Quinn fumando desbragadamente nas telas, resistir quem havia de…? Antes disso, como já contei aqui, eu segui outro modelo, o Professor, dos Capitães de Areia de Jorge Amado, mas isto era uma forma de criar uma capa de proteção sobre minha timidez crônica.

Depois, fumante viciado, eu já estava me metendo em política e a imitação de heróis do cinema americano passou a ser inconcebível. Eu não era mais criança, minha personalidade estava se formando com rapidez e eu passei a me impor minhas próprias regras: o cabelo era um pouco desgrenhado, o óculos era retangular e de aros grossos, a barba estava sempre por fazer e eu usava uma indefectível japona que, salvo engano, não me lembro mais se eu me importava com isto ou não, escondia minha magreza absurda. E fumava… como eu fumava, então!

Surgiram os Beatles na minha vida… e eu não os imitei! Já tinha personalidade suficiente para saber que, mesmo gostando da música deles, eu não era qualquer um deles…  É importante observar que naquela época, 50, 60 anos atrás, a televisão ainda engatinhava, não havia redes sociais e Andy Warhol ainda não tinha determinado que ‘no futuro, todos terão seus quinze minutos de fama’…

                Hoje, 15 segundos bastam!

Sabendo e tendo passado por todo este processo então, qual a minha cisma com o insigne procurador da Lava Jato? Sua posição política? Seu moralismo religioso? Sua imagem pernóstica? Honestamente, não sei! Sei que toda vez que ele aparecia na tevê, me lembrava  um colega de Colégio Estadual que era o primeiro a chegar na sala, sentava-se sempre na primeira carteira em frente à mesa do professor, estava sempre absolutamente bem penteado, com as mangas cumpridas da camisa abotoadas e era, inevitavelmente, o primeiro da turma a levantar a mão quando o professor perguntava alguma coisa (mas, mesmo com todo este pernosticismo, era um bom colega). Seu nome? Eduardo Azeredo, ex-governador e senador de Minas, atualmente preso por causa do chamado Mensalão Mineiro (aliás, o único) que, na verdade, deveria se chamar Mensalão do PSDB, já que parte do dinheiro desviado das estatais mineiras bancou a campanha de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República (este, por sua vez, continua leve, livre e solto, c..ando* regras ‘democráticas’ para a classe média…)

Mas não é isto que me incomoda neste momento… Mais do que isto, o que me irrita é saber que Dallagnol tem 38 anos, ou seja, tem idade mais do que suficiente para ter personalidade própria… E tem! E resolveu demonstrar suas preferências políticas, as quais, como membro ativo do Ministério Público, não pode declarar publicamente, através do corte de cabelo , à la militares… Me impressiona  mais ainda que o cara que ganhou projeção internacional fazendo um power point ridículo com o objetivo de acusar o ex-presidente Lula de ser “chefe absoluto da corrupção”, il capo di tutti capi na Petrobras, ainda não tenha provado a participação efetiva de Lula nesta corrupção, apesar das operosas e eficientes equipes de procuradores e policiais federais a serviço exclusivo da Lava Jato.

Será que ele teria tanta projeção se o país tivesse uma comunicação controlada pela sociedade? Se não tivesse uma voz majoritária a indicar – via novelas, via programas de auditório, via noticiários – o que o povão deve acreditar? Honestamente, acho que Dallagnol seria um mosquito sobrevoando o cocô do bandido… E se ele usasse cabelo comprido á la Beatles ou cabelo cacheado à la Jean Wyllys não teria a menor importância.

Mas, em se tratando de Dallagnol em tempos golpistas, tem! Brasileiros são crédulos, por natureza… acreditam até em horário gratuito de propaganda eleitoral…!

Um dos ‘intocáveis’ de Curitiba se tornou ícone de um tempo em que a democracia, no Brasil e no mundo, se encontra sob ataque frontal da barbárie. Qualquer de suas atitudes ou posturas é transmitida a milhares de pessoas como exemplo de um bravo soldado de Deus, escolhido para limpar o Brasil de suas impurezas e iniquidades e, imagem feita, bem administrada e melhor comercializada, ganha dinheiro, muito dinheiro, dando palestras e propagando sua crença, do que se aproveita sua igreja para crescer e enriquecer.

O Ministério Público do Brasil, que engloba todos os MP’s (Federal, do Trabalho, Militar, dos Estados e do Distrito Federal e Teritórios) foi criado, no formato que ele tem hoje,  na Constituição Cidadã, de 1988, elaborada na ressaca da derrubada da ditadura militar. Todos os seus procuradores têm a independência funcional assegurada pela Constituição, ou seja, estão subordinados a um chefe apenas (o Procurador Geral) em termos administrativos, mas cada membro é livre para atuar segundo sua consciência e suas convicções, baseados na lei.

O que a Constituição não previu é que um procurador ou promotor, assim como um juiz, ambicioso e dependente de seu próprio nariz, amplia indevidamente seus poderes, incluindo o poder investigatório que, de um modo geral, o transforma em um agente a serviço do Estado ou dele mesmo e não da Justiça e,  podendo interpretar a lei conforme seu próprio entendimento, aplica uma justiça própria, a dele – assim é que uma operação da PF que apreendeu um helicóptero com 400 kg de cocaína, quase 05 anos depois, continua nas gavetas da Justiça, porque o dono do chamado helicoca é o filho de um senador da República…

É por este e outros motivos, tão chocantes quanto, que Sepúlveda Pertence, o Procurador Geral da República à época da Constituinte que formulou a Constituição Cidadã, e que lutou para aprovar o formato atual da Procuradoria Geral, diz, hoje, que criou um monstro… Vou um pouco mais longe: sua ‘criação’ propiciou o aparecimento de um monte de ditadorezinhos que, após passarem em concursos públicos, sentam-se em suas mesas burocráticas e, por serem intocáveis, se sentem donos das vidas de muita gente…

É, mais ou menos, o que aconteceu com as redes sociais: as pessoas que, de repente, descobriram que podiam falar qualquer coisa sem se identificarem ou, mesmo identificando-se, não serem incomodadas física ou judicialmente, passaram a se manifestar por qualquer coisa  e difundir informações e porcarias de toda a natureza, desde que se encaixassem em suas próprias posições políticas…

A liberdade de informação e manifestação é maravilhosa, democracia pura… a diferença é que procuradores e promotores podem constituir e formalizar processos e se um procurador não gostar da sua cara, você estará, inapelavelmente, f….o*! Até provar que você é inocente, são anos e anos de malhação, são anos e anos de corrupção pregada na testa, são anos e anos de matérias na imprensa lembrando que você está sendo acusado pela ‘justiça’, que é ‘infalível’, apesar de lenta… Daí, quando sua inocência é provada, ninguém é punido ou, sequer, admoestado! Nem o delator, nem o procurador, nem o policial federal, nem o político que se aproveitou do caso, nem o juiz que o condenou… No máximo, o Estado – eu, você, nós, que pagamos impostos – arcamos com a indenização que a mesma Justiça estabelece pelo Estado ter cometido um erro…!

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