Minha teoria da conspiração (I de IV)

No primeiro debate dos presidenciáveis na TV Bandeirantes, o candidato do Patriotas, Cabo Dacciolo lançou uma palavra-chave, URSAL, ao fazer uma pergunta a outro candidato, Ciro Gomes. A palavra viralizou nas redes sociais até aparecer uma socióloga que esclareceu, num jornal, que URSAL, União das Repúblicas Socialistas da América Latina, fora um termo jocoso, criado por ela em 2001, para ironizar um encontro do Foro de São Paulo, que reúne esquerdistas do continente.

As redes se digladiaram algum tempo em torno da sigla e, por isto, não prestaram atenção na explicação complementar que o distinto presidenciável deu para o termo: uma nova ordem mundial, que eliminaria todas as fronteiras do continente, surgindo uma grande nação, a ‘Pátria Grande!’ E, para arrematar, o garboso Cabo exclamou: “Quero deixar bem claro que no nosso governo o comunismo não vai ter vez”

                Se alguém se desse ao trabalho de pesquisar este assunto a sério, esquecendo os memes das redes sociais, iria descobrir que a ‘ironia’ feita pela socióloga há 17 anos transformou-se numa teoria que extrapolou as fronteiras brasileiras e passou a ser tratada como uma possibilidade real, envolvendo organizações com interesses bem explícitos e movimentando crenças, como algumas igrejas evangélicas no país.

Ou seja: criou-se uma teoria da conspiração.

O tema, a conspiração, faz parte da história humana desde tempos imemoriais. Trama, conjuração, cabala, complô, conluio, conspirata, maquinação, conspiração, enfim, moveu a maioria das disputas políticas em todos os governos já estabelecidos na face da Terra. Basta ler a Bíblia, em especial o Velho Testamento, para verificar isto (não sou leitor religioso, mas imagino que o Tanakh judeu e o Alcorão islâmico também comprovem isto).

No Brasil, as conspirações também proliferaram ao longo de toda a sua história, algumas baseadas em fantasias ridículas, mas que muita gente levava ou ainda leva a sério, como, por exemplos: que o Brasil perdeu a Copa do Mundo na França de propósito, que o voo 1907 da Gol (que colidiu com um Legacy e caiu no Mato Grosso, matando 154 pessoas), na verdade foi atingido por um míssil americano, que a explosão da Base de Alcântara em 2003 também foi obra dos americanos que, sem ninguém saber, mantém algumas bases militares na Amazônia brasileira e, por último, nesta linha, que Xuxa, a rainha dos baixinhos, fez um pacto com o diabo para enfeitiçar a juventude brasileira.

No campo político, as mais recorrentes – e sempre lembradas quando o país passa por crises políticas – referem-se às mortes de Juscelino Kubitschek num acidente automobilístico na Via Dutra, que a teoria considera como provocado, e a de João Goulart, de ataque cardíaco, atribuído a um envenenamento executado por alguém mandado pela ditadura militar.

E há, também, o famoso atentado da Rua Toneleiros, no Rio, onde um major da Aeronáutica foi assassinado num até hoje nebuloso atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, e que resultou no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Neste caso, a teoria da conspiração insinuou que o atentado não pretendia matar ninguém, só criar uma situação que levasse à derrubada de Getúlio… mas o imponderável aconteceu, o jornalista foi ferido e um inocente foi morto, e as coisas tomaram rumos que modificaram a história do país.

Envolvendo JK e Jango também, uma das mais famosas teorias da conspiração foi o episódio que ficou conhecido por Carta Brandi, uma carta publicada no jornal Tribuna da Imprensa em novembro de 1954, endereçada a João Goulart, candidato a vice presidente na chapa de Juscelino Kubitschek, na qual eles assinavam um pacto com o então presidente argentino, Juan Domingo Perón, no sentido da formação e implementação de uma república social-sindicalista no Brasil, inclusive prevendo o contrabando de armas para criar milícias populares que iriam sustentar o poder, mesmo até contra os militares brasileiros. A carta era falsa, como foi constatada posteriormente por um Inquérito Policial Militar, e tinha o objetivo claro de desestabilizar e impedir a candidatura de Juscelino/Jango, que venceram as eleições.

Nos nossos tempos, a teoria da conspiração mais significativa e que continua sendo cantada em prosa e verso, com centenas de livros publicados e dezenas de filmes realizados, é relativa ao assassinato do presidente Kennedy, que aconteceu em 1963, há 55 anos… Para quem tem menos de 50, eu recordo: desfilando num conversível, junto com a mulher, numa avenida de Dallas, Texas, Kennedy foi baleado na cabeça por um atirador, Lee Oswald, que se encontrava no alto de um edifício, apesar das dezenas de guarda-costas em torno do carro e da extrema varredura que os serviços de segurança americanos fazem nos locais públicos em que seu presidente se apresenta.

Lee Oswald, segundo as informações levantadas rapidamente, era um fuzileiro naval americano, exímio atirador, que deserdara para a União Soviética (e depois retornou aos Estados Unidos), e casado com uma russa. Negando ser o autor do crime, ele não teve tempo de ser julgado publicamente, como soe acontecer nos Estados Unidos (pelo menos é o que mostram os filmes). Quando era  transportado da cadeia municipal para a estadual, sob forte escolta policial, foi baleado e morto por Jack Ruby, um dono de boate de Dallas, ligado à Máfia. Ele justificou o assassinato por pena da viúva de Kennedy, Jacqueline.

As poderosas, justas e implacáveis investigações dos órgãos de segurança e da Justiça americanos (pelo menos é o que mostram os filmes)  concluíram que Lee Oswald fora um lobo solitário, agindo sozinho, pois… mas as teorias de conspiração proliferaram, e perduram até hoje, principalmente porque 05 anos depois, em 1968, o irmão de Kennedy, Robert, quando fazia uma caminhada no meio do povo, comemorando sua vitória nas primárias do Partido Democrata, como candidato à presidência, totalmente cercado por seguranças,  foi baleado e morto por Sirhan Sirhan, um palestino, que confessou o crime e foi condenado à prisão perpétua, que continua cumprindo.

Conspirações reais ou apenas fantasias conspiratórias, o ‘fato concreto’ é que a política no mundo e no Brasil sempre foi impulsionada por boatos e mentiras convenientes, devidamente abraçadas e disseminadas pela imprensa, de acordo com seus próprios interesses. Os mais novos se lembram, certamente, da famosa bolinha de papel que se transformou em um objeto ‘assassino’ quando foi jogada contra a careca do candidato José Serra, nas eleições presidenciais de 2010. A Globo convocou até um perito, Molina, para provar que foram dois objetos, a bolinha de papel e um conglomerado amarrado por fita crepe, pesado e rotundo que, efetivamente, podia ter matado o candidato do PSDB!

Tal exemplo – e tantos outros que os conservadores brasileiros usaram ao longo de décadas de eleições, contra as forças progressistas (lembram das capas da Veja?) – me inspiraram a criar, também, uma teoria da conspiração relativa a este ataque ao candidato Jair Bolsonaro na rua Halfeld, centro comercial de Juiz de Fora, Minas Gerais que, segundo a Folha de São Paulo, é uma cidade petista, apesar de nunca ter eleito um prefeito do PT. (continua)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *