Ética no Jornalismo (I)

Eu moro em Brasília desde 1975. Convidado por um colega de faculdade, que precisava de alguém para substituí-lo como assessor de uma empresa estatal, peguei um ônibus com minha primeira mulher e vim conversar com o presidente da dita cuja. Ele gostou da conversa, me contratou e, em maio de 1975, eu virei Assessor de Relações Públicas da Companhia Brasileira de Armazenamento, CIBRAZEM, que não existe mais.

Apesar de ter me formado em Jornalismo, eu não tinha qualquer tesão pela reportagem… Eu sempre fui tímido demais para entrar na vida das pessoas, colocar pessoas na parede, buscar a verdade de um fato a partir do medo das pessoas. Minha relação com o Jornalismo era muito mais literária que emocional… eu gostava de florear histórias a partir de histórias acontecidas no dia a dia, histórias que nunca tinham um final feliz mas, no meu imaginário, poderiam ser felizes…

A vida de assessor do presidente de uma empresa nacional, mesmo de médio porte, me tornou um comunicador mais completo, nunca um repórter: minha qualidade inicial, escrever bem, foi acrescida da capacidade de escrever tudo, de discursos políticos lidos (ou dados como lidos) no Congresso por deputados e senadores a mensagens de felicitações e pêsames, além de ofícios e relatórios técnicos, e fazer de um tudo, de convencer governos municipais e estaduais a investir em armazéns, de fotografar e filmar unidades armazenadoras, produtos armazenados, cerimônias oficiais e festas internas, as quais me cabia, também, organizar e, até, bancar o relações públicas do setor, acompanhando estrangeiros que queriam investir no Brasil em suas investidas pelas noites de Goiânia ou de Curitiba ou de Porto Alegre.

Apesar desta variedade, naquilo que era crucial à minha formação de jornalista, nunca deixei de cumprir os ensinamentos e a pregação do professor de Ética do Curso: em questão de imprensa, o fato é o fato e, eticamente, cabe ao jornalista apresentá-lo ao seu leitor como fato. É uma famosa fórmula matemática’ conhecida por todos que fizeram curso de Jornalismo: 3Q+C+O = Que+Quem+Quando+Como+Onde,  que embasava e dava credibilidade a qualquer notícia. Além disso, cabia à capacidade de cada um  florear o fato, enriquecendo-o com opiniões ou outros fatos que dessem ao leitor uma visão mais ampla do fato em si, sem distorcer a realidade.

Acho que já contei isto aqui: a primeira matéria que não fiz no meu primeiro dia de estágio no Diário da Tarde, jornal vespertino dos Diários Associados de Minas. Durante uns 06 meses, eu saía da  Caixa Econômica Estadual, MinasCaixa (onde era concursado e datilografava dezenas de Cédulas Pignoratícias Rurais), às 18 horas e corria para o jornal, onde era estagiário. No primeiro dia de estágio, estava eu reescrevendo alguns ‘releases’ (notas enviadas por órgãos públicos), quando um editor do jornal recebeu a informação de uma agência do Banco do Brasil sendo assaltada em Contagem,  a cidade industrial, quase um bairro de Belo Horizonte. Me mandou para lá. Não havia fotógrafo estagiário e todos os fotógrafos da redação estavam ocupados em matérias “mais importantes”. Ele me perguntou se eu sabia fotografar, eu disse que sabia o básico, me entregou uma Yashica e disse, simplesmente: “Se vira!”.

Eu fui, levado por um motorista ‘p…* velha’ no ofício. Passei a ‘viagem’ tentando entender como funcionava a máquina fotográfica…. A agência estava intacta e normal, não tivera qualquer assalto, segundo o vigia… Os arredores não tinham qualquer indício de terem tido algum alarme… Ou seja, alguém tinha tentado plantar uma ‘fake news’ no jornal (naquela época, esta expressão não existia, claro, mas ‘trote’ fazia parte do jornalismo diário). Aconselhado pelo motorista, demos uma rodada por várias agências do Banco do Brasil em Contagem (não eram muitas) e todas estavam tranquilas, sem qualquer problema, segundo os vigias, que estavam acordados e atentos.

Ou seja, em minha primeira experiência como repórter, não apurei qualquer coisa interessante e não tinha o que reportar. Quando voltamos de Contagem, 01 hora da manhã mais ou menos, meu editor já tinha ido embora e  não sentei à máquina de escrever e nem escrevi notícia nenhuma… Na noite seguinte, levei um ‘sabão’ daqueles… Isto tem uns 50 anos, mas sua admoestação continua clara na minha mente: “P….*, garoto, tu quer ser repórter? O que que te ensinam na escola? Se não teve assalto, porque não escreveu sobre a sacanagem de se dar trote num jornal? Ou, então, mostrando a segurança das agências do banco? Isto seria muito interessante para o jornal! Eu tinha deixado um espaço para sua matéria, ficaram esperando para rodar e tiveram que preencher o espaço com um calhau, c……*

Aprendi uma lição, claro! Tudo é notícia, inclusive a não notícia. E, para uma organização jornalística, qualquer notícia, dependendo do enfoque que lhe é dado, pode ter grande valor para os leitores, mas também pode ser bem valiosa para a área comercial  da empresa, já que, acima de tudo, jornalismo é um negócio. A partir daí, meu idealismo juvenil, reforçado pelos primeiros tempos de enfrentamento à ditadura, começou a escorrer para a lata de lixo. Escorreu de vez quando da entrevista do então todo poderoso ministro Delfim Neto (que também já contei aqui).

Saí, então, do jornalismo e fui estagiar na área de programação de tevê. Depois, parti para a publicidade, voltei rapidamente ao jornalismo numa emissora de rádio e num jornal semanal de Betim, como editor, que era, realmente, o que eu ansiava ser e, como editor, junto com dois colegas de faculdade e minha primeira mulher, ainda namorada, trabalhei numa agência de redatores, criada por nós. Foi um tempo fantástico, de muito trabalho, muita criatividade, muito entusiasmo… e pouco dinheiro, muito pouco para quem estava querendo casar.

Como editor, mas com o registro de Chefe de Arte, fui contratado por uma editora/gráfica, com o objetivo de editar publicações técnicas e educacionais, além de criar e redigir textos (e como eu gostava desta parte!) para folders, folhetos, cartazes, publicidade gráfica. Outro tempo fantástico, profissional e emocionalmente falando – tinha casado e nascera minha primeira filha! Daí, fui conquistado por uma proposta irrecusável: veio o convite de meu amigo, que eu escrevi lá em cima, para trabalhar em Brasília, ganhando 400% mais do que ganhava em Beagá! (Brasília é uma ilha da fantasia desde que nasceu…).

Fazendo as contas hoje, foram uns 50 anos de jornalismo, nos quais a importância da ética na profissão, ensinada pelo meu velho professor, prevaleceu acima de tudo. E eu conto isto não para me vangloriar ou me sentir superior aos jornalistas atuantes hoje, quando os profissionais de imprensa passaram a agir mais como estrelas do show business, mas para tentar mostrar às novas gerações que a ética continua sendo essencial ao jornalismo, seja ele o tradicional, na chamada mídia hegemônica,  seja ele nos sites que proliferam pelas redes sociais, comandados não apenas por jornalistas profissionais mas por ‘especialistas’ em comunicação, agora pomposamente chamados de “influenciadores digitais. (continua)

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