Mensagem para minha caçula no alto de uma montanha…

Bom dia, minha filha.

É muito bom saber que você está comemorando seus 30 anos no alto do vulcão inativo de Iztaccihuatl, a eterna amada de  Popocatépetl, o vulcão ativo de Puebla, ao lado de seu companheiro. É muito bom saber que este mexicano que tem a mesma visão que eu do que é o sofrimento do povão, mexicano ou brasileiro, tenha preparado esta comemoração para você: não apenas um vídeo dos seus primos parabenizando seu balzaquianismo, mas ajudando você a chegar nas alturas e, destas alturas, vencidas com dificuldade, permitindo a você contemplar o mundão lá embaixo, gritar, xingar, gargalhar e ter certeza que você faz parte dele e precisa contribuir para que ele fique melhor, mais justo, mais solidário, mais bondoso, mais pacífico… independentemente das diferenças sociais, raciais, religiosas e sexuais…

Eu fiz 30 anos em 1978. Me achava realizado na vida: estava bem casado, tinha duas filhas lindas – uma, com 05 anos, era um azougue, mandona, determinada como a mãe, e a outra, com 03, tímida, ensimesmada, ajuizada, como se dizia naquela época, uma cópia de mim mesmo. Vivíamos em Brasília, o poder do país, e eu viajava muito, trabalhando muito, mas realizando um dos  sonhos da minha vida: conhecendo o Brasil.

A mãe delas pensava mais longe: queria viver o mundo. Nos separamos e, lá pelos 35 anos,  eu bati o martelo: minha vida amorosa estava encerrada… Para um homem de classe média/alta descompromissado – as filhas morando longe – foguetear pela vida sem qualquer compromisso – vivam as pílulas e as camisinhas! – era uma beleza. Mas, eu não me dava bem com a esbórnia…! E, mais do que isto, pintou sua mãe no pedaço.

Dez anos depois dos meus 30, você foi anunciada. Eu tinha convencido cunhados e agregados  a fazer uma viagem pelo Brasil real, Brasília até Natal pelo sertão. Acho que foi a única vez que você e suas três irmãs estiveram juntas, você ainda um feto, uma promessa de vida que nem imaginávamos já estar presente.

Aventuras inesquecíveis depois, aportamos em Redinha. Seus padrinhos moravam em Natal e estavam sempre lá com a gente. Um dia, sua mãe passou mal, enjoando muito, a ponto de recusar aquilo que a gente fazia o tempo todo: tomar cerveja. Sua madrinha insistiu que a gente fosse numa clínica perto da casa dela.

Fomos. E você foi anunciada! Eu fiquei estupidamente alegre! Não tinha ideia ainda se era menino ou você, mas me senti abençoado, não por algum deus no qual não acredito, mas pela vida… estava ali, num momento especial da minha vida, com a mulher e as filhas amadas, com amigos muito queridos e a vida se mostrava mais iluminada ainda.

A vida continuou. Sua irmã mais nova nasceu e não permaneceu. Você cresceu e saiu para o mundo. Primeiro Goiânia, logo ali. Depois Alemanha. E, então, México. Eu sempre disse para você e suas irmãs que o mundo estava ao alcance de vocês. E  que a vida estava aí para ser vivida intensamente… O essencial é que cada um escolha o seu mundo e a sua vida.              Consciente da minha timidez, há muito tempo eu escolhi meu mundo próprio, mais interior e sem muitas peripécias, mas só agora estou conseguindo vivê-lo plenamente, através dos textos que escrevo e no mundo que crio no blog que você fez para mim. Duas de suas irmãs foram embora e conquistaram o mundo delas, a terceira ficou por aqui e conquistou a vida dela…

E você está no alto de uma montanha agora, ao lado de quem te ama, feliz por ter chegado ao cume. Quando descer, tenho certeza que terá decidido quais serão suas próximas conquistas… aí no México, aqui no Brasil ou por este mundão afora.  Não importa onde, perto ou longe, eu estarei sempre junto de você!

P.S. – para quem não conhece, aí está a leyenda de Popocatéptl e Iztaccihuatl:

A lenda de Iztaccíhuatl e Popocatépetl

(em versão simplificada e tradução livre))

No Vale do México vivia um povo guerreiro, cujo rei tinha uma filha, Iztaccíhuatl, que se apaixonara por um guerreiro valente e inteligente chamado Popocatépetl. O rei fazia gosto desta união. Iztaccíhuatl e Popocatépetl se preparavam para o casamento, quando exércitos inimigos invadiram o vale, e Popocatépetl chefiou os guerreiros na luta contra os invasores. Depois de vários meses de luta, ele derrotou o inimigo, mas antes que o rei fosse avisado da vitória, foi informado por invejosos que Popocatépetl tinha morrido numa batalha.

                Iztaccíhuatl ouviu o relato falsa, chorou  amargamente e parou de comer, caindo num sono profundo, do qual ninguém conseguiria acordá-la. Quando Popocatépetl regressou vitorioso e tomou conhecimento do que tinha acontecido a sua amada, tomou-a nos braços, pegou uma tocha e abandonou o palácio e a cidade. Nunca mais ninguém os viu.

                Depois de vários dias, todo o povo do Vale do México viu, assombrado, surgirem do nada no horizonte, duas montanhas muito altas, uma delas enviando chamas ao céu. Disse-lhes o rei, então: Iztaccíhuatl e Popocatépetl morreram de desgosto porque eles não podiam viver um sem o outro. O amor que os transformou em vulcões é o coração fiel como uma chama que arderá para sempre.

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