Ontem e hoje

O dólar chegou a R$4,12 esta semana. Mas fechou em queda no final. Ou seja, especulação do mais óbvio nível! Telejornais globais e manchetes nos jornalões têm uma explicação natural (e tradicional): a situação tensa nas relações comerciais Estados Unidos/China mas, principalmente, as incertezas internas por causa das eleições presidenciais.  Como o brasileiro em geral tem memória curta, vou relembrar aqui o que ocorreu em tempos passados, nos mesmos períodos pré-eleitorais de hoje, quando a disputa era entre PT e PSDB, com alguns figurantes sem qualquer chance de alcançar a vitória, exceto 1989, quando Brizola quase chegou ao 2º turno.

Na verdade, a disputa era, como acontece desde aquele ano, entre a esquerda e a mídia tradicional, capitaneada pela Rede Globo. Relembrando: em 1989, o Brasil voltou a ter eleições diretas para presidente. E com dois turnos, conforme estabelecido pela Constituição Cidadã, promulgada no ano anterior. Todos os políticos de expressão, combatentes ou defensores da ditadura recém-derrubada (em 1985), bem como figuras inexpressivas, mas dotadas de partidos criados na ‘farra’ da volta democrática, se candidataram, incluindo Silvio Santos, o mais bem sucedido camelô do Brasil. A Rede Globo tinha um catálogo de candidatos para apoiar (seu Código de Conduta diz que ela pratica a isenção jornalística, o que é uma piada pronta neste país de piadistas).

No início da campanha, estavam postos nomes bem palatáveis para o dr. Roberto Marinho, como Paulo Maluf, Aureliano Chaves, Afif Domingos, Afonso Camargo, Ronaldo Caiado e, até, Ulisses Guimarães e Mário Covas, que tinham posturas independentes, mas eram politicamente conservadores. Do lado oposto, intragáveis pela Globo, estavam Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva.

Com o correr da campanha, todos os nomes tradicionais foram ficando para trás e os “inimigos” avançavam para o 2º turno… A Globo, então, alavancou o ‘Caçador de Marajás’ e botou toda a sua ‘expertise’ em comunicação à disposição daquele que representava o “novo” na política, apesar dele ser filho e neto de políticos, velhos ‘coronéis’ nordestinos, que deixara o governo de Alagoas para ser candidato de um partideco (PRN) tipo PSL atual.

Quando eu digo ‘expertise’, eu estou dizendo conhecimento e capacidade de fazer bem feito associados à esperteza e maleabilidade moral para ocultar verdades e transformar meias-verdades e boatos em notícias favoráveis ao seu ungido. Mais ou menos assim: nas vésperas do 2º turno de 1989, Lula tirara 10 pontos de diferença de Collor e o jogo empatara em 45 x 46%. A campanha de Collor, então, pagou para uma ex-namorada de Lula, mãe de sua filha mais velha, dar uma entrevista em que disse que ele havia terminado o namoro e pedido para ela fazer aborto.

E a Globo repercutiu o assunto com aquele tradicional destaque fantástico por toda a sua rede Brasil adentro. Mesmo assim, o risco de Lula ganhar continuou grande… Na véspera da eleição, já proibida qualquer reação televisiva, pois o horário eleitoral já havia se encerrado, a Globo editou o último debate entre os candidatos, apresentando um Collor afirmativo, com respostas objetivas, numa postura imperial… e um Lula engolindo ‘esses’, mexendo braços e mãos, meio arcado no púlpito, um ‘pobre coitado’ sem a menor chance de se tornar presidente do Brasil. Boa parte do povão engoliu…

Deu no que deu! O jovem líder, o renovador da política brasileira, o caçador de marajás que iria acabar com os privilégios e a corrupção,  foi eleito, mas não durou dois anos no poder… renunciou antes de ser cassado como corrupto. Lula perdeu mais duas eleições (para o príncipe dos sociólogos), mas ganhou em 2002 e ficou oito anos e, mesmo condenado e preso sem provas, tem todas as condições de ser eleito com esmagadora maioria novamente, apesar da Globo, que tentou, continua tentando e tentará até o fim evitar isto.

Nos dois pleitos seguintes não foram necessários muitos golpes baixos: Fernando Henrique Cardoso, o intelectual da Sorbonne com verniz esquerdista (apenas verniz), era o candidato da Globo. Lógico que ela sacaneou a imagem do então presidente Itamar Franco, que era conservador, mas muito independente para se manter no poder por mais um mandato – os mais antigos se lembram, talvez, do jogo montado contra o Hargreaves, braço direito e chefe da Casa Civil dele, das jogadas do Antônio Carlos Magalhães para denegri-lo e, até, da famosa história da modelo sem calcinha no Sambódromo (aliás, é ilustrativo lembrar que quem levou a modelo para o camarote presidencial, onde um fotógrafo estava de prontidão,  foi o Valdemar da Costa Neto, o dono do PP, tão cortejado pelos presidenciáveis de hoje e que acabou se juntando ao Alkmim… por enquanto!).

Mais significativo ainda, por parte da grande imprensa, foi a efetiva ocultação do Itamar, presidente, como responsável pela criação/edição do novo plano econômico que estava dando certo, o Real, creditando a importante vitória contra a inflação ao ministro da Fazenda, exatamente o candidato Fernando Henrique Cardoso, o que determinou ao seu próprio partido, o PMDB, a não indica-lo como candidato à reeleição em 1993, apoiando FHC.

Na reeleição de FHC, em 1997, seu governo escondeu a situação falimentar do país, manteve a valorização falsa do real, com apoio maciço de mídia e Globo, e, encerrado o pleito, deu um calote que levou o país de joelhos ao FMI.

Em 2002 e 2006 o jogo permaneceu o mesmo mas, ainda sendo um poderoso instrumento de influência sobre os eleitores, a Globo não conseguiu derrubar Lula. Nem em 2010, quando Lula recusou a aprovação de uma emenda constitucional que permitiria sua reeleição para um terceiro mandato, que ele venceria fácil (lembrem-se que ele saiu do governo com mais de 80% de aprovação popular) e indicou “o poste” Dilma como candidata progressista.

Com o líder popular imbatível fora da disputa, a Globo se assanhou de novo e jogo toda sua ‘expertise’ no processo: além de cravar a alcunha de ‘poste’ em Dilma, que pegou, repercutiu algumas jogadas típicas (em relação à posição de Dilma sobre o aborto ou sobre o passado guerrilheiro dela), e acho que a maioria ainda se recorda da famosa “bolinha de papel” jogada na careca de José Serra, do PSDB, de novo o adversário no 2º turno. Com direito, inclusive, a demonstração de um perito, de dúbia reputação e conhecida posição partidária, tentando justificar a farsa no Jornal Nacional.

Na eleição seguinte, Dilma x Aécio, o jogo prosseguiu: todas as possíveis falhas do governo Dilma (algumas reais) eram  engrandecidas, todas as falhas do Menino do Rio eram diluídas… Não adiantou, Dilma ganhou! Mas a diferença, 04 milhões de votos, bem menor que todas as eleições anteriores, indicou o caminho para a retomada do poder pelas forças conservadoras, políticas e econômicas, e pela  Globo: usar o Congresso conservador e derrubar, constitucionalmente, a presidenta eleita com 54 milhões de votos! (A propósito, o deputado mostrado no vídeo abaixo é o mesmo que tatuou, de hena, o nome Temer no braço e livrou-o de cassação por denúncias muito mais graves que as tais pedaladas fiscais).

Retomado o poder através de um ‘golpe constitucional’ que empoderasse um vice presidente conservador e, no lance seguinte, prendendo o líder popular imbatível através de uma operação judicial já em curso, a Lava Jato, conduzida por procuradores e  juiz direitistas bem instrumentalizados pelos americanos, tudo ficaria numa boa: as eleições de 2018 seriam mamão com açúcar…! Não estão sendo!

Na pré-campanha atual, por exemplo, os noticiários, os jornalistas, os comentaristas da Globo  tentaram inflar balões: Joaquim Barbosa, o menino pobre que chegou a presidente do STF (indicado por Lula, diga-se de passagem), Luciano Hulk, o jovem comunicador-empreendedor, marido da bela Angélica (imaginem! Uma primeira dama como ela conquistaria o mundo!), Rodrigo Maia, o incensado presidente da Câmara, ali colocado para viabilizar-se à disputa presidencial,  Afif Domingos, o eterno candidato das micro e pequenas empresas e, até, a ministra Carmem Lúcia (também indicada por Lula), numa perspectiva menos democrática: cassação do golpista Temer, assunção da presidenta do STF à Presidência da República e adiamento, ‘a bem do país’, das eleições (vocês já imaginaram que gracinha a Carminha subindo a rampa do Planalto cantando ‘Não deixe o samba acabar…!’)

Nenhum balão subiu! Restaram poucas possibilidades: Álvaro Dias e João Amoedo, conservadores de direita, não têm fôlego para alçar vôo, Marina Silva é historicamente de esquerda, mas  seu ódio à Lula por tê-la preterido à Dilma, transformou-a  numa possibilidade, principalmente porque tem um recall de duas eleições, Ciro Gomes é uma interrogação, um neo-coronel nordestino com ideias próprias e estopim curto, que, se eleito, tanto pode manter Lula preso quanto pode assinar seu indulto… Sobram   Alkmin, o candidato do ‘peito’, que está patinando nas pesquisas, e Bolsonaro, que, se eleito, tanto pode ser manipulado quanto reinstituir a censura à programação de televisão, o que seria uma desgraça para o faturamento da Globo.”

Para quem acompanha e gosta de política como eu, o jogo está jogado. Apesar de confuso. A  Globo vai tentar, com todas as suas armas, legais ou não, viabilizar Alkmin para o 2º turno, enquanto bombardeia Lula, Haddad, Manuela d’Ávila e o PT… Se Alkmin permanecer o picolé de chuchu que sempre foi, Bolsonaro vira herói, o homem que enfrentou a máquina, o Macron tropical, o Collor que vai dar certo!

Honestamente? Eu tenho uma imensa vontade de vomitar!

  1. – Para quem se interessar em conhecer a verdade e o mundo paralelo criado pela Globo há anos, e tiver paciência para ver horas de debate, aí estão o vídeo completo e o vídeo editado pela Globo, para o Jornal Nacional transmitido na véspera da votação, do último debate entre Lula e Collor.  

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