A despedida (I)

Surpreendentemente, houve um convite. Graficamente bem feito, com a imagem marcante de uma mulher indo em direção ao poente; no verso, uma frase: “Estou indo embora e quero ver você”, o local (o próprio clube), dia e horário. Nada mais. Pouco depois de achar o convite na caixa de correspondência, recebi uma ligação do meu amigo doutor: “E aí, Nelson Rodrigues  – ele passou a me chamar de Nelson Rodrigues desde que leu meus textos sobre o clube de suingue neste blog – estava pensando que o convite era exclusivo para você, heim? Pois não é não! É pouca gente, bom uísque de graça e algumas meninas selecionadas, para emendar a noite depois… Quer que eu te pegue?”

A balada noturna não me apetecia, mas continuo não dirigindo à noite e, certamente, a despedida entraria pela madrugada. Aceitei, pois, a carona. Quando chegamos, ao cair da tarde, os vinte e poucos homens convidados já estavam acomodados em mesas ao redor da piscina. Não havia esposas ou companheiras, evidentemente… mas as “meninas” do clube, bem vestidas, bem penteadas, maquiadas sem qualquer exagero, circulavam pelas mesas. Algumas já estavam sentadas com seus pares, mas bem comportadas como se namoradas ou esposas fossem.

Dezinha veio nos receber ao final da trilha de entrada. Num vestido branco bem marcado na cintura fina e com um decote sensual, ressaltando o colar de pequenas obsidianas. O doutor lhe entregou uma caixa embrulhada num papel dourado com fitas brancas, recomendando: “Só abra depois que a festa acabar, e no seu quarto… – olhou para mim e completou – … se você tiver sorte!” Eu lhe dei uma bela orquídea amarela com desenhos parecidos com joaninhas.

E, como sempre, ela foi direta: “Então, já acabou o resguardo? Se sim, posso te apresentar para a Zelinha… uma universitária, futura socióloga, que adora discutir política!” “Obrigado, Dezinha, mas eu vim só me despedir de uma amiga que algum dia pode me abrigar numa casa de praia da Bahia…” O doutor piscou o olho para ela e gozou: “Olhaí, Dezinha, boas perspectivas…!”

“Então, vocês fiquem naquela mesa ali – e apontou uma mesa central, um pouco mais alta que as outras – que é a minha mesa. Como logo logo a Zú vai estar ao lado do doutor, as meninas vão achar que você é o meu homem e não vão se aproximar. E, para compensar você por se tornar ‘meu  homem’ nesta despedida, vou levar alguns dos meus amigos para conhece-lo. Tenho certeza que você terá  muitas e muitas histórias para o seu blog.”

Não deu muito certo… Meu amigo doutor, que não é de firulas sociais, virou o primeiro uísque e carregou Zú, que havia se achegado à mesa, para o lado dos bangalôs. E eu fiquei sozinho em uma mesa ligeiramente superior às demais. Alguns minutos, apenas. Dezinha percebeu a situação meio constrangedora, foi até à mesa e, de mãos dadas, me levou para outra mesa, um pouco afastada, onde dois senhores, aparentemente mais velhos como eu, também bebiam uísque.

“Jean Plhilpe*…”  – me apresentou Dezinha – era um homem na faixa dos 60 anos, totalmente calvo, com um bigodinho fino que se unia com o cavanhaque de ponta fina – …  “Pedro Jerônimo de Cavalcante Campos*…” – outro homem, mais gordo, de cabelos alourados e bochechas avermelhadas e um sorriso aberto -” … são os donos do Clube e estão me proporcionando esta festa de despedida… Tomem conta dele para mim, por favor.”

Ambos estavam na casa dos 60, mas Jean Philipe era um pouco mais novo e Pedro era a parte feminina da dupla, claramente homossexual, o que percebi imediatamente pela postura dos dois: o “macho” não demonstrou qualquer satisfação pela minha presença e pela minha condição de jornalista e escritor, como Dezinha me apresentou, e a fêmea ficou bastante interessada.

Jean Philipe não foi indelicado, mas perguntou de chofre, antes mesmo de Dezinha sair de volta a seus convidados: “Atrás de boas histórias num p……* de classe?” Pedro Jerônimo deu um tapinha no braço do parceiro, que pediu licença, segurou a mão de Dezinha e saiu com ela para uma volta entre os convidados… enquanto a “esposa” abria um sorriso cativante para mim e insinuava:

– Pode ter certeza que é uma surpresa para nós, depois de tantos anos, descobrir que Dezinha se interessou por alguém… e um escritor ainda por cima!

– Perdoe-me… Eu sou apenas um amigo dela e não sou escritor, apenas um blogueiro que ainda quer ser escritor…!

– E, como disse meu marido ‘mal educadamente’, este clube é uma boa fonte de inspiração… Não o clube em si, imagino, mas os personagens que o frequentam, certo?

Deu uma olhada em volta, viu que o marido sentara numa mesa e conversava animadamente com um casal, me deu um olhar cúmplice e sussurrou:

– Pois eu acho que tenho uma boa história para você… desde que omita os nomes se escrevê-la. Por sugestão dela, eu li seu blog e gostei. Você tem jeito pra coisa. E minha história, acima de tudo, é uma história de encontro e de amor… profundo e eterno!

E começou a falar, como se estivesse esperado a vida toda por uma oportunidade de desabafar…

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