Os ‘bons’, os ‘quase bons’ e o resto… (I)

Eu costumo ter muito pouco respeito pela elite brasileira. Com razão, acho eu! Todos os países do mundo são governados, sempre, pela sua elite, normalmente através de representantes, sejam eles políticos eleitos democraticamente ou ditadores que assumiram o poder por um golpe ou salvadores da pátria carregados para o governo nos braços do povão ou reis coroados pela graça divina. Por trás deles todos está, sempre, o que eu chamo de elite, o poder econômico dos grandes empresários e industriais, dos banqueiros e financistas, das multinacionais, o dinheiro, enfim, que move o mundo.

Mas há elite e elite… A elite capitalista dos Estados Unidos, a elite burocrata da Rússia, a elite uno-partidária da China ou a elite política da Europa têm uma compreensão do poder e uma consciência de Nação que, por mais que suas lideranças divirjam internamente e se revezem no governo, não desrespeitam o país, não consideram a população um mero instrumento para se tornarem mais ricas e mais poderosas, que é a premissa básica da elite brasileira.

Há 518 anos, o Brasil é governado por representantes desta elite, seja a elite imperial portuguesa, a elite rural, a elite industrial, a elite financeira… Há 518 anos estas elites escrevem e aprovam leis que a Justiça, constituída por ela, aplica, ‘com rigor e sem discriminação’, o que esta legislação determina, que leva em conta, inevitavelmente, o que interessa a esta elite.

Houve governos que tentaram fugir desta sina: Getúlio Vargas, depois de governar ditatorialmente balançando entre a fascinação fascista e o domínio americano, e ser deposto, voltou democraticamente e tentou criar condições para o país se modernizar, fugindo do subdesenvolvimento… Suicidou-se, por pressão da elite. João Goulart, Jango, eleito vice, conseguiu safar-se de um parlamentarismo fajuto imposto pela elite, mas não conseguiu livrar-se da deposição inconstitucional pelo Congresso, porque tentou implantar reformas estruturais que mexiam com o bolso da elite. Luiz Inácio Lula da Silva, eleito pelo povo na quarta tentativa e que, em 08 anos de governo, tentou convencer a elite que o crescimento econômico, educacional e cultural do povão era melhor para o país e, consequentemente, para ela, elite, e foi, mas não conseguiu conquista-la. Não conseguiu ser derrubado e elegeu sua sucessora, Dilma, que resistiu 04 anos, reelegeu-se… e tentando compor-se com a elite para se manter, foi derrubada.

Bem… eu não faço parte da elite. Meu pai era médico e a medicina, para ele, era uma missão, não um negócio, e minha mãe era esposa e mãe… Fui educado em grupo, colégio e universidade públicos e construí minha vida dependendo de salário, até ter direito à aposentadoria, que não é previdencialmente ridícula porque fui precavido e me filiei a um instituto de previdência complementar. Ou seja: eu faço parte de uma classe média que já foi alta, quando eu trabalhava, mas que não chegou a baixa, agora que estou aposentado.

E estou envergonhado das minhas classes, da que pertenço hoje e da que pertenci tempos atrás.

À que pertenço hoje, reconheço, não mudou muito nestes 518 anos de Brasil: continua passiva, acomodada, bovinamente sentada numa poltrona confortável para assistir o Jornal Nacional e comentar que o país é uma b….*! Vez ou outra, levanta a bunda da poltrona, abre uma latinha de cerveja e comenta com a mulher ou com o visitante amigo: “Eita povinho vagabundo este nosso! Só elege político de m….*!”

À que pertenci ontem, mudou um pouco, ficou muito ‘esperta’ e descarada nos últimos tempos: como não conseguiu ascender à elite, tratou de garantir ‘auxílios’ e benesses legais que a tornassem distinta da massa fedorenta que habita o país. Formou corporações poderosas ao longo do tempo e se fortaleceu, especialmente nos governos petistas, que fundamentaram sua prática governamental no sindicalismo, na base da velha máxima ‘a união faz a força’.

Assim como os metalúrgicos, os petroleiros, os caminhoneiros, os eletricitários, os bancários, os funcionários públicos em geral, tornaram-se forças poderosas a pressionarem legisladores e governos e conquistarem acordos e benefícios salariais e trabalhistas, os políticos, juízes, promotores, procuradores, policiais federais, civis e militares pressionaram e conquistaram benesses e ‘auxílios’ extra salariais que os tornaram castas sociais dentro de um país extremamente desigual.

Fortuitamente, a grande imprensa publica matéria informando a existência e o exagero de um penduricalho ou outro – geralmente quando há uma divergência entre uma corporação ou outra – mas o assunto morre logo, que é para não despertar um mugido mais estridente da massa bovina que, quem sabe?, algum dia pode se entusiasmar e resolver acabar com o eterno baile da Ilha Fiscal.

Daí, a gente que tem o vício de se informar, fica sabendo de algumas coisas chocantes, que passam despercebidas pela maioria da população e são consideradas ‘justas’ ou um ‘mal necessário’ pela burguesia porque “a gente já chegou até aqui, né? Tem casa, tem apartamento, dá p’ra viajar p’ra Miami e quem sabe?, com a graça de Deus,  os filhos se formam numa universidade pública, fazem um concurso público e chegam lá…!? E passam a dispor de privilégios ‘merecidos’…”

Esses dias, por exemplo, o Valor Econômico deu, sem grande destaque, que  o presidente do Senado, um cearense porreta, apelidado de Índio nos escaninhos da Odebrecht, e candidato à reeleição, “que vem cumprindo intensa agenda relacionada ao Ceará, se beneficia do acompanhamento diário dos veículos de comunicação do Legislativo e do direito de voar nos aviões da FAB… Em Brasília, a bateria de eventos e anúncios em benefício ao Ceará são registrados na TV, rádio, agência e jornal do Senado…”

                Evidentemente, isto soe acontecer apenas no período pré-eleitoral. Caso reeleito, ele  continuará gozando ‘apenas’ de ajudas de custo e auxílios oferecidos a todos os parlamentares brasileiros, de senadores a vereadores de grandes cidades, dentro de uma graduação ‘justa’, diga-se a bem da verdade, isto é, ajudas de custo e auxílios são bem mais extensos e polpudos para senadores do que para vereadores… (continua)

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