Os ‘bons’, os ‘quase bons’ e o resto… (II)

No caso de um senador, além do subsídio (parlamentar não recebe salário, recebe subsídio) de R$ 33.763,00, há uma verba indenizatória de até R$15.000,00 para cobrir qualquer despesa relativa à função, desde que comprovada com notas fiscais; há uma conta mensal para transporte aéreo equivalente a 05 viagens de ida e volta (tarifa cheia) ao estado de origem (e os senadores do Distrito Federal também têm este direito, provavelmente gastos com taxi aéreo ou asa delta de Brasília para Ceilândia ou Planaltina ou, até mesmo, Papuda…); no caso de viagens oficiais (para cumprir um encargo senatorial em qualquer parte do país ou do Exterior), além das passagens aéreas, claro, o senador recebe diárias: R$460,00 para cidades com até 200 mil habitantes, R$518,00 para cidades maiores e capitais e US$353,00 para localidades sul americanas e US$416,00 para as demais.

Para abrigar Suas Excelências na capital, o Senado dispõe de 72 apartamentos funcionais numa das boas quadras da Asa Sul, mas boa parte deles prefere receber um auxílio-moradia no valor de R$3.800,00, mesmo que possuam residência própria em Brasília (há uma história que corre nos bastidores da capital há anos, que extrapolou os meios jornalísticos, mas nunca foi divulgada efetivamente: parlamentares compravam apart-hotéis na beira do Lago Paranoá e pagavam as mensalidades com o auxílio-moradia, de um bem que seria dele e não do Parlamento).

E não há limite de gastos com a saúde de Suas Excelências e excelentíssimos cônjuges e filhos até 21 anos (ou 24, se universitários); mas há limite para despesas odontológicas e psicoterápicas, que é de R$25,9 mil anuais (é duro o desgaste emocional de Suas Excelências e Excelentíssimas Famílias!). E, para completar, cada senador tem direito ao uso ilimitado de celular a ao gasto de R$500,00/mês para uso de telefone fixo instalado na residência, além de um sedan médio com motorista, no qual podem gastar até 300 litros de gasolina ou 420 litros de etanol/mês.

Respeitando aquela graduação que eu falei lá em cima, deputados federais, deputados estaduais e vereadores de capitais e grandes cidades, além de executivos governamentais,  também recebem “incentivos” para exercer a função pública.

Bem como os que tem a nobre missão de defender o Estado, promover e administrar a Justiça do país…  Ou seja, para não ficarem atrás dos legisladores, as autoridades do Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, além dos subsídios equivalentes a 32 vezes o salário mínimo têm um conjunto de penduricalhos (auxílios e ajudas) legais que faz com que os ‘hollerits’ (contracheque é coisa de pobre!) atinjam valores bem acima dos R$ 33,7 mil estabelecidos pela Constituição Federal como teto salarial do serviço público em todo o país.

Os extras, geralmente não declaráveis ao Imposto de Renda, incluem auxílio-moradia de R$ 4,3 mil, auxílio-saúde correspondente a 10% do vencimento – pago aos magistrados e membros do MP e TCE –, licença remunerada para estudar no Exterior e férias de 60 dias por ano. Tem até um tal de auxílio-livro, de R$ 13 mil anuais para a compra de livros jurídicos e material de informática.

Na minha humilde interpretação, esta é a casta dos ‘bons’, onde, eventualmente, se inserem alguns profissionais liberais, como médicos, advogados, empresários e burocratas de 2º escalão, estes que, em sua grande maioria, compõem outra casta, a dos ‘quase bons’, num percentual também pequeno da estrutura social brasileira, muito bem retratada pelos censos do IBGE. É esta segunda casta que vestiu camisa amarela, bateu panelas, glorificou a Lava Jato e insubordinou-se com a corrupção e com os aumentos da gasolina, exigindo a derrubada de Dilma…

E que murchou as orelhas e enfiou a indignação no meio das pernas depois que a elite atendeu seus reclamos e botou uma quadrilha no governo, que está vendendo o resto da riqueza nacional, devolvendo a classe baixa à miserabilidade ‘de onde nunca deveria ter saído’, e dando à esta casta o real significado de seu nome, nada mais, nada menos que a casta dos ‘quase bons’, a que conhece, aplaude e vibra com quem manda… e adora ser mandada porque não precisa assumir qualquer compromisso, a não ser os que tem com o próprio umbigo!

Esta pirâmide, aliás, me fez lembrar das aulas de história que tive no Colégio Estadual. Meus professores, felizmente, não se limitaram ao feijão com arroz – o pacifismo de Gandhi e a libertação da Índia do domínio inglês eram recheados de lições sobre o hinduísmo e a sociedade de castas ainda predominante no país. Relendo um velho caderno que guardei daquela época, relembrei que a divisão social indiana era feita de castas definidas pela religião predominante, o hinduísmo, isto é, a sociedade tinha castas determinadas a partir da hereditariedade, castas estas formadas de acordo com a posição social que as famílias hindus ocupavam, estabelecendo um tipo de “hierarquia” social marcada por privilégios e deveres.

No hinduísmo tradicional, há a casta dos brâmanes (os sacerdotes), dos xatrias (os militares), dos vaixias (comerciantes e fazendeiros) e dos sudras (os que serviam as demais castas). E ainda havia os párias, que não pertenciam a nenhuma das castas, os excluídos, de fato a grande massa da população, que tinha o dever de executar os mais deploráveis trabalhos, aqueles que não podiam ser realizados pelos pertencentes à alguma das castas. Os hindus aceitaram e aceitam isto ainda hoje (atualmente, com a evolução econômica do mundo, há centenas de castas), vez que a religião estabeleceu isto…

Infelizmente, os brasileiros também aceitam isto, independentemente da religião que professam, como se pode comprovar pela pirâmide social do IBGE que, seguindo o padrão Globo de informações, também indica uma realidade estilo ‘Fantástico’: 1% da população tem renda superior a R$13.560,00… Ou seja, eu pertenço à classe dos ‘ótimos’, mas sofro para pagar IR, IPTU, IPVA, mensalidades de telefone, energia elétrica,  consumo de água, tevê a cabo, prestação do carro, plano de saúde, alimentação… Felizmente, minhas filhas se formaram e moram em outros países e não há mais mensalidades escolares a pagar!

Esta pirâmide social do IBGE indica algo mais assustador ainda: 82% da população brasileira, cerca de 172 milhões de pessoas sobrevivem com menos de R$3.390,00 por mês… Com esta renda, honestamente, alguém consegue pagar moradia, locomoção, educação dos filhos, alimentação, saúde, o básico de uma vida honesta e produtiva?  O que prova, definitivamente, que o brasileiro é, acima de tudo, se levarmos em consideração a classificação hinduísta, um pária…! Até quando?

Considerando que nós vivemos neste mesmo padrão há 518 anos, acho que eu não verei a mudança desta pirâmide. Mas, confesso, mesmo sendo totalmente contra qualquer tipo de violência, gostaria muito de estar presente quando ela acontecer, mesmo sabendo que os principais responsáveis, nesta hora, estarão em Miami, quiçá Nova York ou Paris…!

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