Minhas angústias

Eu sou de um tempo em que pouquíssimos jovens se interessavam por política. Eu já disse e repeti aqui de minha timidez crônica… E foi ela que me levou a transformar a leitura em melhor amigo e isto, aliado à facilidade proporcionada pela substantiva biblioteca de meu pai, um rato de livraria, me deu chance de, ainda no ginásio, adquirir um conhecimento teórico do mundo muito acima do que seria esperado de um jovem dos anos 50/60.

E é claro que o gosto pelos livros permaneceu ao longo de, pelo menos, 50 anos. Agora, com a paulatina degeneração da visão, parei de ler… livros! É fisicamente impossível! A modernidade me apresentou o kindle, mas falta a química da leitura em papel! Afinal, eu sou de um tempo em que passar página a página de um livro fazia parte do prazer de ler um romance, uma história, uma tese política ou filosófica. Daí, minha caçula me indicou o @Voice, para celular: a gente busca um livro, um artigo, uma publicação qualquer e uma bela voz de mulher lê o livro p’ra gente. Ainda estou aprendendo e tentando me acostumar pois com a doce voz que sai do celular,  acabo divagando a partir do 3º ou 4º parágrafo…

Ou seja: ter que parar de ler tornou-se uma das minhas maiores angústias… Mensalmente, eu cumpro um ritual que vem desde os tempos em que eu comecei a trabalhar regularmente e passei a ter dinheiro próprio: vou a livrarias “cheirar” e descobrir leituras interessantes… Só que de uns tempos para cá, eu faço isto para encontrar livros para minha mãe, que tem 30 anos mais do que eu e tem vistas melhores que a minha, lendo compulsivamente…

Eu vejo o título da capa do livro, me interesso por ele, tiro os óculos e, com alguma dificuldade, leio a contracapa, a orelha, os elogios de jornais e editores… e compro, com a certeza que o assunto irá interessar à minha mãe… que, depois, comentará o livro comigo, me dando mais vontade ainda (ou não) de ler, o que, infelizmente, já sei que não vou conseguir. No criado da minha cama hoje, por exemplo, estão dois livros: “A história do Ateísmo” e “A Garota na Teia de Aranha”; o primeiro está lá há mais de ano e eu não cheguei à metade… o segundo há uns dois meses e eu só consegui ler umas dez páginas! Por deficiência minha, não dos livros, que são ótimos!

 

Apesar destas dificuldades, eu ainda consigo ler e escrever no computador. Este blog (www.bleorgh.com), felizmente, continua se mantendo no ar. E, com isto,  outra angústia é conseguir escrever coisas que interessem aos leitores que permanecem fiéis ao blog. É uma angústia atroz! De vez em quando, checo o Facebook e constato que mais 04 ou 05 pessoas se incorporaram aos meus leitores assíduos ou ocasionais. Dou pulos de alegria, mas a angústia persiste: vou conseguir mais? Vou manter os que estão aí?

Evidentemente, a principal razão da permanência destes leitores – além dos parentes e amigos – é a minha preferência pelos temas políticos: eu tenho um lado e analiso a situação do país a partir da minha perspectiva, mas sem menosprezar ou ofender os que discordam das minhas análises e opiniões.  E, como analista político (sem qualquer pretensão de me tornar um Mino Carta ou um Merval Pereira, dois expoentes de pensamentos opostos), me angustia a possibilidade de escrever idiotices ou inutilidades, que nada acrescentariam à vida de meus leitores.

Neste blog, por exemplo, eu escrevi vários textos sobre Lula. Eu não conheço Lula, nunca fui apresentado à família do Lula e nem sei quem são os amigos fraternos e os companheiros políticos de Lula. Conheci Zé Dirceu e Frei Beto há 50 anos atrás, na fase pré-ditadura, quando o primeiro era um líder estudantil de peso, e o segundo um frei dominicano dirigente nacional da JEC – Juventude Estudantil Católica, ambos em reuniões políticas em Belo Horizonte. E nunca mais vi! Por que, então, escrever sobre Lula no meu blog? Exatamente para defender o que ele representa em termos de posicionamento político para o Brasil.

Do mesmo modo, vou sempre fazer críticas agudas aos representantes de posições fascistas e neoliberais aqui no blog, exatamente porque foram experiências de governo que vivi durante mais de 50 anos e que o Brasil viveu ao longo dos 500 anos de sua história, tipos de governos que mantiveram o país deitado em seu berço esplêndido, com um povo inculto, politicamente analfabeto, manipulado e apático, sempre esperando um salvador da pátria que descesse dos céus ou, nos tempos modernos, saísse da telinha da televisão (plim plim!) e trouxesse dinheiro, saúde e Carnaval o ano inteiro…!

E é aí que reside minha angústia maior hoje: a recorrente repetição da história no período de uma vida, da minha vida… O velho Marx cunhou uma frase que virou um alerta para os países do chamado primeiro mundo, que protagonizaram duas guerras mundiais e uma guerra fria no século passado: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.  No caso do Brasil, a farsa se mistura com a tragédia  e as repetições não ensinam nada a cada nova geração…

Considerando apenas o tempo da minha geração, a primeira tragédia foi a derrubada de Getúlio Vargas, o ex-ditador que já havia sido derrubado em 1945, mas voltara ao poder através do voto em 1950. Um atentado, que matou um major da Aeronáutica e feriu o grande golpista da época, Carlos Lacerda, transformou-se numa farsa chamada República do Galeão (o aeroporto do Rio), que levou Getúlio ao suicídio, ‘saindo da vida para entrar na história’.

A segunda tragédia foi a derrubada de Jango em 1964, precedida de farsas ridículas tramadas pelos poderosos e engolidas pela população: a renúncia do presidente eleito, Jânio Quadros, e a posse do vice também eleito, o que era uma regra constitucional, aceita só quando se mudou o regime de governo para o parlamentarismo. Que não durou um ano…! Retomado o presidencialismo, Jango não aguentou dois anos no poder: os golpistas de sempre, classe média católica, apostólica, romana à frente, clamaram pelo patriotismo dos militares e, juntos,  mandaram Jango para o exílio, instalando um governo de “reconstrução nacional”. Para azar dos golpistas, os milicos gostaram de mandar (Carlos Lacerda também foi cassado!) e mais uma tragédia se consumou: 21 anos de ditadura!

E a terceira tragédia foi a deposição “constitucional” de uma presidenta eleita por 54 milhões de votos, com base numa farsa corroborada pelo Executivo – o vice presidente estava atolado no golpe até o pescoço – e pelo Legislativo, que se tornou palhaço do mundo ao votar favoravelmente ao impeachment em nome de Deus, dos filhinhos, da mãezinha e até de um famoso torturador da ditadura!  E pelo Judiciário, que sustentou a tese, proposta pelos golpistas, de que pedaladas fiscais eram um crime hediondo contra a Constituição, que precisava ser punido com a “decapitação” de sua autora!

 

Há dois anos vivemos uma falsa governabilidade…. uma falsa recuperação econômica… uma falsa democracia…! Me aperta, me dói o coração rever colorido, um filme que assisti em preto e branco há 50 anos atrás: militares ocupando ruas, revistando mochilas de estudantes, exigindo documentos de uma população que tem a mesma identidade daquela época: é trabalhadora e sai de casa para pegar uma condução para o trabalho… enquanto o verdadeiro crime continua leve, livre e solto em gabinetes atapetados e ambientes refrigerados.

Será que chamar alguém de cidadão, ameniza a humilhação? Infelizmente, a história, no Brasil, não se repete… ela é uma eterna farsa travestida de tragédia!

 

 

 

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