Estado mínimo

Em 2016, encerradas as eleições municipais, a classe média regozijou-se: a prefeitura da maior cidade brasileira tinha sido conquistada por um legítimo representante das forças neoliberais, um empresário que abomina a interferência do Estado na vida das pessoas e que, por isso, faria de São Paulo um novo paraíso para os empreendedores, homens e mulheres que, com inteligência, força de vontade e um pouco de dinheiro, transformam a própria vida e a vida de outros num mar de rosas. Enfim, a locomotiva das cidades brasileiras ficaria livre daquela miséria humana espalhada por ruas e avenidas, dependente do Estado para sobreviver mal e porcamente…!

Dentro desta ótica, o novo prefeito começou bem: vestiu-se de gari para lançar o programa Cidade Linda, botou tapume embaixo de um viaduto, para esconder os miseráveis que lá viviam, repintou de cinza os muros pintados por pichadores e… grafiteiros (parece que ele não sabia a diferença), invadiu a Cracolândia e espanou os drogados da região, que se escafederam para outras ruas e avenidas de São Paulo. Não é preciso dizer que São Paulo continua suja, os tapumes não resistiram um mês, pichações pretas e brancas surgiram sobre os muros cinzas e os drogados reagruparam-se… Onde? na Cracolândia… que permanece, firme e forte, no mesmo lugar…

Mas o prefeito, o suprassumo do novo mundo imagético, onde o que importa é o publicizado, não o resultado obtido, continua poderoso como possível representante da classe dominante, não mais como o presidente dos sonhos do neoliberalismo – que ruiu às primeiras pesquisas de opinião, seja pela ganância do prefeito, que passou por cima até de seu padrinho político, seja por falta de sustança ideológica (sacos vazios não costumam parar de pé…!) – mas para governador da locomotiva do país, o estado de São Paulo.

E qual é o grande ‘slogan’ do prefeito para representar tão bem o neoliberalismo? Sua sanha pelo “Estado mínimo”, substituindo-o integralmente pelo setor privado que, na concepção deles, é muito mais eficiente que o poder público. O engraçado, diria até que ridículo, é que o prefeito que quer um Estado mínimo, pediu à Câmara de Vereadores de São Paulo que aprovasse uma lei determinando que, a partir da gestão dele, um prefeito e seus familiares fossem contemplados com segurança do Estado até um ano após deixarem de ser prefeitos.  Depois da grita geral nos ‘blogs sujos’, repercutida pela grande imprensa, o prefeito recuou e pediu que aprovassem a lei valendo apenas para o prefeito que o substituísse e, como as críticas continuaram, ele recolheu o pedido e, evidentemente, terá que pagar sua própria segurança, e de sua família, quando deixar a Prefeitura para ser candidato ao governo de São Paulo.

Não há manchetes da grande imprensa, inclusive do Jornal Nacional da Globo, seu carro chefe (ela ainda está à procura de um candidato para chamar de seu), sobre as contradições de um prefeito eleito dizendo ao paulistano que iria livrá-lo da ineficiência pública, entregando à iniciativa privada muitas das ações do Estado (aquelas onde há muita bufunfa a ganhar, claro!)… mas que propõe lei que torne o Estado responsável por funções privadas, como a segurança sua e de sua família, quando não mais estiver exercendo uma função pública.

Aliás, esta é a grande sacada dos maiores defensores e propagadores do Estado Mínimo: eles se aproveitam de leis, encomendadas a parlamentares cujas eleições foram financiadas por eles, para pagar menos impostos, ou serem perdoados de dívidas por conselhos estatais, cujos conselheiros foram indicados pelos partidos políticos dos mesmos parlamentares supra citados…

E que, neste aspecto, se equiparam ao funcionalismo de alto nível do Estado, tão cioso de sua relevância e superioridade sobre a população em geral, que é capaz de criar mecanismos particulares – que o brasileiro comum chama de ‘jeitinho’ – por eles próprios ou através daqueles mesmos parlamentares lá de cima,  para criar e manter seus privilégios. Para se ter uma ideia do que isto significa, basta pensar na atual mobilização dos juízes visando a paralização dos trabalhos por um dia, para pressionar o STF contra a eliminação do auxílio-moradia… Ou ler que os advogados do Estado – ministérios, agências, estatais e o que mais há – estão furibundos porque o Estado anda atrasando o pagamento da sucumbência – aquele din din extra que eles recebem por ganhar causas para o Estado, serviço, aliás, para o qual eles são contratados, em troca de bons salários… (que não é suficiente, parece…)

Capa do jornal O Estado de S. Paulo [Estadão] de 28/2/2000

                E a grande imprensa então? Que vive noticiando e mostrando as mazelas dos postos de saúde, a burrice dos alunos das escolas públicas, a ineficiência dos serviços de transporte público (que, aliás, são prestados por empresas privadas), o banditismo dominante em favelas, periferias e prisões, onde o Estado não consegue bloquear nem os celulares dos criminosos! E,. ao mesmo tempo, esconde as falcatruas dos políticos amigos, as negociatas das grandes empresas que anunciam em seus veículos, as sujeiras dos governos que lhes paga, via publicidade, notícias cor de rosa e editoriais elogiosos?

Marx escreveu que “Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites.”  Será que o povão brasileiro conseguirá fazer isto algum dia?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *