Pelas estradas da vida (II)

Neste novo tempo, a estrada de rodagem passou a ter outro sentido: a viagem a dois. A estrada continuava importante na minha vida, mas só valia a pena se fosse rodada com a namorada, até mesmo quando fugia das minhas preocupações de viajar sempre com segurança e algum conforto. Viajamos até de carona: fomos para a saída de Belo Horizonte, apontamos o dedão para São Paulo e, por sorte, pegamos um fusquinha de um representante de laboratório que estava indo para Campinas. Ficamos na entrada e pegamos outra carona direta para Sorocaba, nosso destino.

Casamos, nasceu a primeira filha e mudamos para Brasília num fuscão azul carregado de badulaques. Minhas viagens se multiplicaram, só que pelos ares. O Brasil, que eu sempre quis conhecer, passou a ser meu quintal: numa semana estava em Ponta Grossa, no Paraná, noutra, estava em Altamira, no Pará. As estradas de rodagem passaram a ter outro sentido, a serviço, acompanhando a construção de armazéns país adentro; assim,  eu conheci a gente simples e trabalhadora, às vezes sonhadora, às vezes conformada, às vezes mesquinha, às vezes solidária, sempre sofrida mas aparentemente feliz do interior… e suas lideranças, a maioria interessada apenas, em fazer carreira e subir na vida.

Marcante uma viagem de jipe, com o amigo Zé Carlos, delegado da CIBRAZEM em Rondônia e Acre, de Porto Velho a Vilhena pela BR-364 ainda de terra.  A Companhia estava construindo vários armazéns nas zonas rurais das muitas cidades que vinham se desenvolvendo ao longo da rodovia: Ariquemes, Jaru, Ouro Preto do Oeste, Ji-Paraná, Presidente Médici, Cacoal, Rolim de Moura, Pimenta Bueno… No caminho, muitas fazendas de mineiros, onde Zé Carlos, mineiro, entrava para um dedo de prosa, um café e um pedaço de queijo… mineiro, é claro!

A placidez do rio Guaporé

Em Vilhena, onde estava previsto eu pegar um Bandeirante e ir para Cuiabá, para embarcar para Brasília, Zé Carlos me convenceu a ir até Pimenteiras do Oeste, na fronteira com a Bolívia, onde Teixeirão, o governador nomeado de Rondônia, queria instalar um armazém. Pimenteiras era o fim do mundo! Um posto militar de fronteira, uma dúzia de casas, a Bolívia em frente e Mato Grosso abaixo, com o rio Guaporé subindo, plácido, em direção ao Madeira. Foi onde comi tracajá pela primeira e última vez na vida…!

Marcante, também, outra viagem de camionete pelo sertão: ida e volta de Natal a Cajazeiras, com o amigo Douglas, delegado da CIBRAZEM no Rio Grande do Norte e na Paraíba. Perto de Cajazeiras, uma surpresa, Brejo das Freiras, uma estância hidrotermal (?) em pleno forno de 40 graus! Não me lembro se era, realmente, hidrotermal… era um hotel em pleno sertão, um lugar com temperatura extremamente aprazível, cercado de árvores, que tinha sido uma espécie de retiro de freiras e havia se tornado um refúgio “europeu” para as pessoas gradas da Paraíba.

Inauguração do armazém de Cajazeiras, na Paraíba

Infelizmente, não há estradas sem curvas, e se as curvas das rodovias a gente consegue fazer com cuidado, as curvas da estrada da vida nem sempre são trafegadas sem tropeços e acidentes. Tantas e tantas viagens, os caminhos se descruzaram e o casamento se desfez. Ex-mulher e filhas foram para longe, ao alcance apenas de vôos esporádicos. As viagens de carro, sempre  tão esperadas, foram praticamente suspensas… só quando as filhas vinham passar férias.

Na mais marcante delas, já casado de novo, juntamos as três filhas e cunhados e, em dois carros, atravessamos meio Brasil, de Brasília a Natal, pelo interior. Eu queria muito que as filhas vissem algo que me chocou nas andanças pelo sertão: a seca, os rios sem água, vacas, mulas e jovens enrugados, como se velhos fossem, crianças esquálidas trabalhando nas roças esturricadas dos pais. E elas viram. Em Natal, uma surpresa feliz: outra filha estava a caminho. E na volta, para amenizar a ida, o litoral ensolarado do Nordeste: João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju e Salvador…

Renovado o gosto pela vida, muitas foram as estradas rodadas novamente: para Conceição da Barra e para o Rio, Maceió, Recife, Natal, Fortaleza, Salvador, Ilhéus, Palmas, Floripa, sul de Minas, norte de Minas e até, de novo, para Montevideo e Buenos Aires, nesta apenas como copiloto, vez que a visão já iniciara seu processo degenerativo.

Jeriquaquara, Olinda, Chapada Diamantina, Araguaia

Por fim, a última viagem: ida e volta de Brasília à Chapada dos Veadeiros, 600 km sentado no banco de trás do carro dirigido pela filha e pelo genro, uma experiência que não se repetirá nunca mais. Quem, como eu, teve enorme dificuldade em dominar a direção de um carro – eu só passei no exame de motorista na quarta tentativa – e aprendeu, com o tempo, a amar a sensação de liberdade que se tem na direção de um carro em uma rodovia, não merece a sensação de impotência do banco de trás.

 

Enfim, que a minha história registre a inexistência de acidentes fatais pela vida e perdoe as derrapagens, as freadas bruscas, as ultrapassagens indevidas e a desobediência a alguns sinais fechados. Afinal, é assim que a vida se faz. E se desfaz…

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