Pelas estradas da vida (I)

Eu tenho uma quilometragem respeitável. De estradas  e de vida. E a coisa que mais me incomoda agora que ultrapassei os 70 anos, é não ter como rodar mais… nem física nem emocionalmente. A paulatina degeneração da visão não admite mais minha paixão pela direção amadora de carros e a distância física das filhas e netos não me permite extravasar as tantas emoções que mantive travadas durante tantos anos da vida.

Os desencontros na estrada da vida começaram cedo. Escondido atrás de minha timidez crônica, eu me apaixonava perdidamente por qualquer menina que me dava alguma atenção: a amiga de uma prima que parava no portão da casa de minha tia, e sorria e conversava comigo, a irmã de um amigo na casa dos quais eu ia passar o fim de semana, a vizinha do andar de cima, que gostava de jogar bolinhas de papel na minha cabeça, quando estávamos nas respectivas janelas.

Os encontros com as estradas de rodagem também começaram cedo, tanto aqueles em que eu era mero passageiro, quanto aqueles em que eu era, parcial ou totalmente, protagonista. Nas primeiras, ainda amarrado aos pais, há, principalmente, viagens de trem: de Bambuí, onde nasci, ou de Belo Horizonte, onde morávamos, para a terra da família., e vice versa. Lembro de uma, de ônibus: eu e meu irmão, de Brazópolis para Beagá, numa Fernão Dias inacabada, atravessando o Rio Grande de balsa, dentro, mas doido para descer do ônibus.

Como protagonista, lembro de todas…

Já trabalhando, livre, leve e solto, flanei. A primeira grande viagem que fiz, num Fusca azul, foi de Belo Horizonte a Jaguarão, no Rio Grande do Sul, junto com dois amigos, Cláudio e Joaquim, este ainda menor e sem carteira de motorista (o carro pertencia ao cunhado de Cláudio, um boliviano e, por isso,  foi barrado na fronteira; a gente seguiu em frente, de litorina e barco, até Montevideo e Buenos Aires, tiritando de frio – era inverno!). Levamos 12 dias para ir e voltar, com direito a 04 dias entre os  orientais e los hermanos.

Passando pelo Paraná

Cntro de Montevideo

Saindo de Jaguarão

Poucos meses depois, o tio do Cláudio, pediatra, queria participar de um congresso em Brasília, mas não gostava de dirigir. Bancamos os motoristas para ele, e eu conheci Brasília. Em três dias, tínhamos rodado todo o Plano Piloto que, à época, tinha movimento, praticamente, só na Asa Sul e no corpo do avião. E ainda ficaríamos mais 10 dias! Ou íamos nos aventurar pelas poucas satélites de então ou íamos conhecer outros cantos. Fomos à Rodoviária, a do centro ainda, descobrimos um ônibus que saia para Belém do Pará às 05 horas da manhã do dia seguinte. Embarcamos: 04 dias de ida (o ônibus quebrou perto de Porangatu) e 03 de volta, pois a Belém/Brasília ainda  era de terra!

W 3 Sul, ainda residencial

Quebrado em Porangatu

Nesta época, eu já tinha aprendido a conviver com minha timidez crônica e fazia algum tempo que destravara a língua quando me encontrava com meninas… nos dois sentidos! Já tinha até namoradas… Namoros  esquisitos, mas namoros! E ao mesmo tempo, para começar! A menina do 4° andar e a ficante do Carnaval.

A primeira, Góia, fazia parte da turma que eu frequentava na rua dos Goitacazes, em Bel Horizonte. O pai dela era bravo… e viajante, e a gente só namorava quando ele estava em serviço. Além disso, eu estava de olho mesmo na menina do 11° andar, que era namorada de um dos meus quatro grandes amigos da época. O engraçado é que ele era afim da Góia, e eu só fiquei sabendo disso muitos anos depois. A segunda, Maga Patalógica, que eu já citei aqui (Festas e farras I), foi minha ficante  durante 04 anos, numa época que não existia o verbo ficar com a conotação que tem hoje.

Aí chegou o tempo da responsabilidade… Já trabalhando, havia terminando o científico e fiz o esperado: prova para Medicina (não existia vestibular único, então). Não passei e entrei num cursinho preparatório. Antes de começarem as aulas, tinha o Carnaval e lá fui eu brincar com minha ficante. Na viagem de ônibus, conheci minha primeira mulher, que acabara de entrar no Curso de Jornalismo. Ficamos amigos e, no meio do ano, desisti  de Medicina (eu não tinha a menor vocação) e me preparei, escondido, para fazer Jornalismo (era o caminho para seguir o que eu gostava, escrever). Passei e tive que deixar o emprego e buscar outro, de meio expediente (o Curso de Jornalismo era de manhã). Aí, passei num concurso da Caixa Econômica Estadual (fiquei um ano  e meio datilografando cédulas pignoratícias rurais…). A estrada iniciou novo ciclo: o emprego se completava com o estudo e o namoro sério. (continua)

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