E o fundo não acaba…

Sinceramente, eu pensei que dava para tocar o barco p’ra  frente e continuar lutando para botar a cabeça de fora, mas o fundo do poço é ainda mais fundo… Por mais que afunde, a gente não consegue chegar lá, mas há gente que faz tudo para que a gente chegue lá! Como a ilustre Procuradora Geral da República ou os juízes e seus representantes oficiais ou a polícia civil de São Paulo…

A Sra. Dra. Procuradora Geral, Rachel Dodge, fez uma ‘defesa incondicional’ do direito dos procuradores (e juízes e promotores e o que mais houver no que chamam de Justiça) terem o direito de receber auxílio-moradia, pago pelos impostos que recaem sobre os meus, os seus, os nossos salários. Escreveu ela: “Não há, enfim, desvirtuamento da finalidade indenizatória pelo fato de a verba não distinguir membros proprietários de imóveis residenciais dos que não o são; com efeito, em ambas as situações o membro assume ônus pecuniário  pelo pagamento de aluguel, no caso dos não-proprietários, ou pela imobilização de haveres próprios, no outro, que não haveria se disponível a residência oficial.”

Eu não me considero radical, mas p…* que pariu! quando o cara é transferido da  cidade onde mora para outra, por necessidade da Justiça ou da Procuradoria ou da Promotoria ou do diabo que for, e tiver que pagar aluguel para morar enquanto está por lá, assumindo ônus pecuniário não previsto em seu contrato trabalhista, tudo bem que o Estado arque com este ônus… Mas dizer que o cara que trabalha no lugar onde sempre morou é prejudicado porque poderia alugar o seu imóvel próprio e ir morar noutro, pago pelo Estado, é o fim da picada!

A divulgação, nos blogs sujos, dos auxílios-moradia de juízes que vinham sendo endeusados pela mídia familiar, pegou tão mal que a própria mídia familiar foi obrigada a romper a barreira do silêncio sobre seus heróis do momento mas, como sempre, generalizou o assunto: juízes recebem, mas…  procuradores, promotores, deputados, senadores, ministros também recebem, ora!

Daí, os protestos, principalmente nas redes sociais, incomodaram Suas Excelências do Supremo, o que influenciou sua pre-si-den-tê a pautar uma sessão a respeito do assunto em março. E as associações representativas de juízes estaduais, federais, trabalhistas e o que mais há começaram a protestar!  A AJUFE (dos juízes federais) foi mais radical: está programando  uma paralisação geral (greve, em linguagem popular) dos trabalhos no próximo dia 15 de março, uma semana antes do dia marcado para a sessão do STJ que discutirá o auxílio-moradia.

Já houve esta ameaça antes, exatamente a que originou o auxílio-moradia, o que prova incontestavelmente que em 500 anos de história, passamos boa parte dos séculos à beira ou no quase fundo do poço, que sempre é mais profundo do que a gente imagina. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, uma das poderosas da mídia familiar, foi em 2000, no governo FHC que o auxílio-moradia foi criado.

Numa reportagem à época, a jornalista Martha Salomon escreveu: “Estamos abertos à crítica, mas a sociedade precisa entender que estamos diante de uma situação anormal, a greve da magistratura”, justificou o presidente do STF, Carlos Velloso, ao final de uma operação que comandou para uma consulta à cúpula do Judiciário e dos demais Poderes, assim como aos integrantes do comando grevista.

                Trata-se de uma solução paliativa para evitar a greve dos juízes diante do impasse em que se transformou a fixação do teto salarial do funcionalismo público, que deverá garantir reajustes salariais para os juízes de quase 70%, em alguns casos. O pagamento da remuneração extra será feito com base em liminar (sentença provisória) concedida pelo ministro Nelson Jobim, indicado pelo presidente  Fernando Henrique Cardoso para o cargo e seu principal interlocutor no STF.”

Como é praxe no Brasil… sil… sil… o “jeitinho” perdurou até os dias atuais, 18 anos depois, apesar de, no primeiro governo Lula, o mesmo Nelson Jobim que, aliás, além de ministro do Supremo, também foi ministro de Estado de FHC e d Lula,  propôs o aumento significativo do salário dos juízes, acabando com o auxílio-moradia, que era “uma excrescência eticamente contestável”.

Conta a jornalista Helena Chagas, no blog ‘Os Divergentes’, que esta era questão superada desde 2005, quando o então presidente do STF, Nélson Jobim, conseguiu convencer Lula a enviar ao Congresso  um plano de reestruturação de carreira para os magistrados – justamente para acabar com o auxílio-moradia.

              

“Quando foi conversar com Lula no Planalto …, Jobim abriu o jogo: o auxílio-moradia, um “abacaxi”, era de fato uma gambiarra que servia como complementação salarial para os juízes, que na época ganhavam em torno de R$ 12 mil. O justo era acabar com isso, reestruturando a carreira, aumentando o salário e preservando o auxílio apenas nos casos de transferência de magistrados para lugares distantes. Lula concordou que juiz tinha que ganhar bem, e não por subterfúgios ou penduricalhos.  Acionou seu então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que ajudou a formatar a proposta e incluí-la no orçamento da União. O Congresso aprovou e a República achou que tinha ficado livre do auxílio-moradia dos juízes – até que ele voltou a ser universalizado, por decisão do ministro Luiz Fux, do STF, em 2014.”

(Perguntas necessárias e objetivas: por quê será que o ministro Fux universalizou, liminarmente, o auxílio-moradia dos juízes? Certamente, vez que se trata de um ministro do Supremo, não tem nada a ver com o fato da filha dele, desembargadora, receber este auxílio mesmo sendo dona de dois apartamentos no Leblon, bairro nobre do Rio, não é mesmo? E por quê será que esta liminar só foi pautada para julgamento agora, 04 anos depois, quando a imprensa em geral começou a contestar este penduricalho dos juízes?)

Para completar o empurrão para mais fundo, vem a Polícia Civil de São Paulo e intima um dos maiores especialistas em entorpecentes do Brasil, Elisaldo Carlini, de 88 anos, a depor na delegacia especializada, acusado de fazer apologia ao crime. O farmacologista e professor emérito da Unifesp é diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e o mais respeitado estudioso do efeito da maconha no organismo humano, tema ao qual se dedica há 50 anos. Além disso, ele é membro do Expert Advisory Panel on Drug Dependence and Alcohol Problems, da Organização Mundial da Saúde há 07 anos, e é ex-membro do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos (INCB), eleito pelo Conselho Econômico Social das Nações Unidas.

Incomodada com as críticas, a polícia paulista soltou nota oficial informando que o farmacologista foi intimado a pedido do Ministério Público e que ninguém foi indiciado em qualquer processo, provavelmente porque houve uma grita geral contra tal estupidez. É o caso de se perguntar: se a intimação não tivesse a repercussão que teve, o professor seria enquadrado por fazer “apologia” de drogas?

Porque, dentro da mentalidade tacanha que voltou a predominar entre nossas autoridades de alto, médio e baixo escalão, tantos e tantos anos de dedicação à uma especialidade tão “perigosa” para nossa sociedade – vejam a situação dos morros e periferias das grandes cidades, dominadas pelo tráfico! – só pode representar uma ameaça ao país. Muito maior que o helicóptero de um senador, carregado com 480 kg de pasta de cocaína, não é mesmo?

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