Eu cansei… (II)

(continuação) Bem, o Deus onipotente continua lá nos céus, aguardando as almas boas e pacíficas que sofrem e rezam muito cá em baixo. Houve uma época até, que eu acreditei que seus representantes aqui na Terra tinham compreendido, finalmente, a verdadeira mensagem de Cristo, apesar de ela ter estado sempre envolta numa atitude passiva e de conformismo com as agruras da vida terrena, indicando que néctar e ambrosia (ou as 07 virgens de Maomé) nos aguardavam na vida eterna, ao lado Dele.

 

A Teologia da Libertação não negava a felicidade no reino de Deus, mas pregava uma vida mais justa na Terra, uma vida que precisava ser buscada por nós mesmos, sem ficar esperando que alegria, riqueza e justiça caíssem dos Céus… Mas, durou pouco! Nunca foi esta a missão da Igreja de Deus, segundo os bispos, mesmo que tenha sido a vontade de Seu Filho, e Deus soprou sua fumaça branca sobre os cardeais em Roma, que entronizaram João Paulo II como papa, seguido por Bento XVI, que colocaram a Igreja nos eixos novamente.

E abriram um largo rio para os evangélicos que, por sinal, desaguou no Congresso Nacional brasileiro: a Frente Parlamentar Evangélica é composta, hoje, por 203 parlamentares, onde se incluem católicos praticantes apoiados por igrejas evangélicas e cristãos ligados à Renovação Carismática. A propósito, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tão fundamental no enredo das últimas farsas políticas, é evangélico.

Assim, por linhas embaralhadas da história, chegamos aos dias de hoje e ao meu cansaço da política. E à resposta para a cobrança de minha velha amiga: em todas as farsas anteriores, as maquinações eram cozinhadas e lentamente organizadas nas conversas de gabinete, nos encontros sociais, em cochichos e piscadelas d’olhos, sempre entre representantes dos poderes econômico e político, devidamente protegidas pela grande mídia, que preparava o terreno junto a classe média temerosa com qualquer perspectiva de mudança do status quo, até se criar o momento oportuno para deflagrar o movimento em defesa da democracia, da liberdade e contra a corrupção e o comunismo ateu.

Nos dias de hoje, apesar de a grande imprensa ter mantido seu papel de sempre, as farsas foram escancaradas e de rápido arremate: em pouco mais de três anos, de dezembro de 2013 (quando Aécio Neves entrou com representação no STF contra a eleição de Dilma) até julho de 2017 (quando a investigação contra Temer foi recusada pela Câmara Federal), duas farsas foram montadas e saíram vitoriosas. E com outra farsa substantiva de permeio: as acusações, julgamento e condenação de Lula pela República de Curitiba…  O que mostrou que das farsas, agora, participam também, o funcionalismo estatal de alto rendimento, não só os do estrato governamental, como policiais, procuradores, especialistas financeiros e bancários, mas também os do Judiciário, tanto de primeira quanto de superior instância.

No fundo, as últimas farsas foram simples e com enredos constitucionais: primeiro, o poder econômico montou um fundo financeiro capaz de “comprar” a eleição de quase metade dos nobres parlamentares que se dizem representantes do povo (vide delação da JBS); segundo, por “livre e espontânea vontade” destes lídimos representantes do povo, elegeram um presidente da Câmara evangélico e, transcendendo isto,  corrupto e absolutamente carente de qualquer escrúpulo; e, terceiro, transformaram uma ação presidencial comum, rotineira, usada por todos os executivos municipais, estaduais e federais eleitos desde a redemocratização do país, em um “crime inafiançável”, ao qual deram o nome de pedalada fiscal e, em cima deste nome de fácil compreensão e assimilação, “pedalada” (uma contribuição mercadológica da grande imprensa, claro!), tornaram Dilma uma criminosa, ‘merecedente’ de morte ou, pelo menos, de deposição, já que o povo brasileiro é muito bonzinho e temente a Deus…

Colocada no poder uma quadrilha disposta a se manter neste poder consentido (para obter lucros pessoais incalculáveis) em troca de reformas estruturais na Constituição, que abrissem espaço para que o poder econômico, às custas do povo trabalhador,  se tornasse mais lucrativo e poderoso ainda, era imprescindível que esta quadrilha não fosse derrubada , pelo menos até entregar o combinado. Entregou parte, o teto dos gastos públicos, a reforma trabalhista e a terceirização. Mas faltava a cereja do bolo, a reforma da previdência… 

Daí, dependente do poder econômico que os elegeu, acrescida das benesses proporcionadas pelo Tesouro Nacional, através da liberação das emendas parlamentares, os mesmos deputados que aprovaram o impeachment, protagonizaram a segunda farsa vitoriosa e a quadrilha se manteve no poder consentido, apesar da falsa oposição da grande imprensa, que tentou negociar uma substituição de seis por meia dúzia (Temer por Maia), mas ficou na tentativa porque o poder real não quis embaralhar o jogo, pois podia dar merda…

É muito vergonhoso para quem tem um mínimo de consciência política ver as cenas vividas por nossos ilustres deputados à frente dos microfones ao votarem ambas as decisões. Aqueles senhores engravatados, pertencentes, no mínimo, a uma classe média alta (pelo salário que recebem como parlamentares) votando em nome da família, de Deus e do povo, é vexaminoso, não só porque a gente sabe que família, Deus e o povo não têm nada a ver com a decisão deles, mas exatamente porque a gente sabe que tirante Deus, que é apolítico, e a família, que é suspeita, foi o povo que, realmente, colocou o energúmeno naquele lugar.

Energúmeno, segundo os dicionários, significa, originalmente, pessoa possuída pelo demônio. Mas, significa, também, pessoa inútil, que não faz nada certo. Por mais enojado que ficamos ao ver Suas Excelências “trabalhando” no Congresso, será que o povo erra tanto assim ou, como afirma a direita, não sabe votar?

Fico em dúvida, o que aumenta o meu cansaço… Afinal de contas, se o governo que eles apoiam (com o objetivo evidente de receberem benesses), propõe e aprova medidas que sacrificam os trabalhadores, em benefício dos poderosos,  porque eles recusariam trocar seus votos pela aprovação de emendas parlamentares que têm, exatamente, o poder de beneficiar seus eleitores, construindo pontes, creches, escolas, reformando estradas, instalando postos de saúde e tantas outras carências nas milhares de cidades e vilas deste profundo Brasil?

Na mesma linha, como eu posso culpar o sêo Chico ou dona Maria por eleger um energúmeno?

Se naquela cidadezinha que eles moram tem uma ponte, uma creche ou uma escola construída, ou uma estrada reformada, talvez um posto de saúde instalado e alguns outros benefícios proporcionados pelo governo, que está lá longe, muito distante, inalcançável mesmo, mas foram parar lá, graças a Deus e ao parlamentar em que eles votaram, mesmo que  só se lembrem do nome dele quando ele aparece por lá para inaugurar a reforma da estrada ou a instalação da creche?

Me anima um pouco saber que o teólogo Leonardo Boff, um dos expoentes da Teologia da Libertação, vem alertando o país para a aparente “apatia” do povo de Deus no Brasil pois, segundo ele, que tem antiga e notória relação com as camadas mais pobres da população, há significativos sinais de um profundo descontentamento, possível de se transformar numa convulsão social a qualquer momento.

Será que ainda verei nosso cordial povão tomando seu destino nas próprias mãos? Se for, espero que não demore muito, pois nova farsa já está sendo gestada nos escaninhos do poder: o risco cada vez mais evidente de eleição de Lula em 2018, está levando os golpistas de sempre e propor, de novo, o parlamentarismo…

 

 

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