A estupidez de um povo (II)

Há justificativas pra “irresponsabilidade” do povão, claro… Quem há de ficar isolado em casa quando a casa tem dois cômodos e seis moradores? Quem há de ficar em casa quando o pão de cada dia tem que ser batalhado a cada dia? Quem há de evitar um ônibus entupido de gente quando o trabalho fica a 30 quilômetros e o patrão demite quem atrasa? Quem há de manter o distanciamento de 1,5 metro quando as freguesas e fregueses têm febre de consumo? Quem há de usar aquela máscara incômoda quando o próprio presidente da República, o Mito, faz questão de não usar, mesmo carregando criancinhas no colo?

Mas haverá justificativas praquela aglomeração de sem máscaras nos barzinhos da Vila Madalena, em São Paulo? Ou na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro?  Ou nas festas madrugada adentro que continuaram acontecendo aqui na minha região, uma área rural? Tudo bem, Euclides da Cunha escreveu que o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Mas sertanejo é o brasileiro do Nordeste e o brasileiro do Sul Maravilha nem gosta de nordestino, só gosta das praias de lá, onde nem estavam podendo ir (já podem: Jericoacoara estava uma festa agora em agosto!).

Latinos, arianos e saxões passaram maus bocados nos primórdios da pandemia. Itália e Espanha, então, encararam o vírus com certo desdém e sofreram as consequências: 28 mil italianos e 25 mil espanhóis tinham morrido até 30 de abril. Mas, reconheceram os erros iniciais, corrigiram os rumos e conseguiram reverter o terror. Devagar e precavidamente, foram reabrindo a economia e as fronteiras… e mesmo assim, estão sentindo a possibilidade do terror voltar, com aumento progressivo de infectados e mortos. (Não adianta brincar de Capitão Cloroquina… a verdade é óbvia: ainda não existe uma vacina pro coronavírus…!)

Aqui, não esperamos os números arrefecerem. A atitude corajosa de governadores e prefeitos, contra a vontade do presidente, decretando o isolamento social, o fechamento da economia e o investimento público maciço em saúde, não resistiu à pressão dos poderosos: em pouco tempo, a economia tornou-se mais importante que a saúde, e a flexibilização virou rotina. Falta uma única atividade para que a vida volte ao normal, um normal que nunca mais será o normal, a volta à escola. A partir desta semana não faltará mais nenhuma…

Quando Macunaíma nasceu, o Brasil vivia os estertores da Velha República (02 anos depois, os gaúchos de Getúlio Vargas amarraram seus cavalos no Obelisco da avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro). Os coronéis paulistas, donos de terras, cafezais e gente, e os coronéis mineiros, donos de terras, vacas e gente, mandavam na política e em 41 milhões de brasileiros e brasileiras, estas, aliás, que nem tinham direito de votar. Macunaíma nasce no meio do mato, como índio. Suas primeiras palavras: “Ai, que preguiça!”. E, depois de mil trapaças e confusões, se torna branco e vai pra São Paulo, o centro do mundo, onde continuou fazendo trapaças e confusões.

Nesta década ele completa 100 anos. O mundo viveu duas guerras mundiais e centenas de guerras localizadas, o nazi-fascismo e o comunismo governaram nações e foram derrotados pelo capitalismo, onde a prevalência do dinheiro torna os homens desiguais. A fé cristã vai sendo, vagarosamente, substituída pela fé neo petecostal, que também privilegia o dinheiro. E o Brasil que também evoluiu, capitalísticamente falando, continua habitado por milhões de Macunaímas, como bem informava esta carioca frequentadora da Barra nos anos 80:

Desde então, já se passaram 40 anos. E o desprezo com que muitos encaram a pandemia é filho do desprezo com que ela encarava o povo “sem educação” que descia em ônibus lotados para a zona sul carioca. A educação que faltava há 40 anos resulta nos 25% da população que já afirmou que não irá tomar a vacina. E na declaração do presidente, logo transformada em propaganda de governo, de que ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina. E na situação caótica do país, com 13 milhões de desempregados e milhares de pequenas e médias empresas falidas. E nas pesquisas mostrando que o responsável maior, mais até do que a pandemia, seguramente estará no 2º turno das eleições presidenciais de 2022. Será que Deus castiga tanta estupidez? Se castigar, estamos intussusceptados e mal remunerados…

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