Do que têm medo nossos supremos juízes? (II)

Enfim, a figura mais emblemática na atual composição do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que vem sendo o mais ferrenho adversário da Lava Jato desde que, parece, se arrependeu de tê-la favorecido ao suspender a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil do governo Dilma, atendendo pedidos do PSDB e do PPS, o que escancarou as portas para o processo de impeachment da presidenta.

Orador e polemista brilhante, que consegue deixar o juridiquês de lado, seja em seus embates no plenário do STF (que é televisionado), seja nas entrevistas que participa, seja nas lives em que costuma pontificar, substituindo-o por um didatismo professoral carregado de fina ironia, quando quer, Gilmar Mendes foi indicado por Fernando Henrique Cardoso e nunca escondeu sua íntima ligação com os princípios e ideais liberais defendidos pelos tucanos.

Sua propalada postura garantista (que interpreta a Constituição com menos elasticidade) tem certos furos, como nesta suspensão à indicação de Lula (nomear ministro é prerrogativa do presidente), ou no recente acatamento do habeas corpus do Queiróz, que o manteve em prisão domiciliar, com a companhia da esposa, que não está doente, não faz parte do grupo de risco e, além disso, era fugitiva da polícia quando o presidente do STJ, candidatíssimo à vaga de Celso de Mello no STF, concedeu-lhe, também, o direito à prisão domiciliar.

Suas querelas com Lula e petistas fizeram a alegria da grande imprensa durante um bom tempo, assim como suas tertúlias, quase sempre envoltas em mistério, com Sarney, FHC, Temer e até mesmo Bolsonaro. E suas discussões públicas com os colegas Joaquim Barbosa e Luis Roberto Barroso foram tão surpreendentes que ajudaram até a ‘humanizar’, perante o gentio, aquelas figuras sempre superiores, com suas capas pretas e seu linguajar ininteligível.

Gilmar Ferreira Mendes não tomou nenhuma decisão favorável aos lavajatistas semana passada, mas está sentado desde 2018 numa decisão que pode fazer a Lava Jato ressurgir das cinzas em que se encontra no momento ou enterrá-la de vez , o processo em que a defesa de Lula pede o reconhecimento da parcialidade do então juiz Sérgio Moro no julgamento e condenação do ex presidente. O julgamento está na 2ª Turma do STF, com 02 votos contra Lula (Fachin e Carmem Lúcia, que ainda podem ou não mudar o voto), e com Lewandovski e Celso de Mello aguardando a devolução do processo por Gilmar Mendes.

O fato é que Suas Excelências têm um peão na roda neste momento: o Brasil possível com uma democracia garantida e revigorada, ou o Brasil de sempre, uma democracia tutelada, definitivamente deitado em berço nem tão mais esplêndido assim. A declaração pró Lula de Fachin aguçou as esperanças dos lulistas, no sentido de que ele irá mudar seu voto contra Lula no supra referido processo. Esperanças que estavam em baixa depois das indicações de Gilmar de que só pautaria o processo quando os julgamentos voltassem a ser presenciais, após a pandemia, o que só deve acontecer depois da aposentadoria de Celso de Mello e de sua substituição por um juiz indicado por Bolsonaro. Aí, pra completar a semana passada, Celso de Mello pediu licença para tratamento médico.

Depois de um período sombrio, em que o STF se fingiu de morto e permitiu vários arranhões na Constituição, da qual seus juízes são guardiões, o caldeirão de vaidades que ele se tornou (sempre foi, mas piorou muito depois que os julgamentos passaram a ser televisionados) parece ter quebrado o espelho. E, mais uma vez, o protagonista no palco é Gilmar Mendes: se colocar o processo em pauta agora e votar contra, fará maioria contra Lula, caso as esperanças dos lulistas em Fachin sejam vãs; se votar a favor – há certeza que Lewandovski votará a favor, pois também é garantista, haverá empate e o empate é pró-réu, ou seja, anula-se o processo, limpa-se a ficha de Lula e o Brasil torna-se possível de novo.

Caso Gilmar não coloque o processo em pauta agora, o peão dependerá do novo deus, a ser indicado pelo Mito, e do adversário que o  Mito prefere enfrentar em 2022: Lula ou Moro. Ou seja: nossos deuses não têm medo…  Eles movimentam o tabuleiro pra que o peão Brasil dependa deles, e continuem sendo os deuses supremos de um povo que não tem consciência de sua força.

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