O que será o depois de depois do depois… e eu sei? (II)

Eu estava com esperança que o primeiro diagnóstico estivesse errado. Pra evitar hospital, corte na barriga, recuperação demorada, trabalho pras filhas… Mas a segurança e tranquilidade do jovem cirurgião me encorajaram a resolver o assunto de uma vez. E acatei, sem reclamar, as determinações dele: fazer uma caminhada de uma hora por dia (arrrrgh!!!), beber 200 ml de um suplemento alimentar 03 vezes ao dia (arrrrgh!!!) e parar de beber meus santo uísque de todos os dias… “Nem uma dose, doutor?”, chorei. “10 mililitros por dia, ‘tá bom?” Comprei uma seringa, medi 10 mililitros e desisti: ia ficar bebendo só água e gelo…

Duas semanas depois, numa 3ª feira, ele me liga e diz que conseguira uma vaga e autorização pra me operar com vídeo-laparoscopia, mas que precisaria fazer outra colonoscopia para “tatuar” meu câncer (marcar, no intestino, o pedaço a ser extirpado), pedindo pra eu me internar na 2ª feira seguinte, pra fazer o teste da covid19 e, a seguir, a colonoscopia. Eu já tinha feito a consulta com o pneumologista, mas ainda faltava a avaliação do risco operatório do cardiologista. Consegui antecipar a cintilografia e a consulta, me apresentando na internação do hospital às 13 horas da 2ª feira combinada (a da semana passada, razão daquele “O que será o amanhã, eu sei…”, neste Bleorgh).

Em lá chegando, a atendente (desta vez uma senhora) me perguntou se eu tinha passado pela triagem. Tive que passar de novo, então. O mesmo processo anterior e aqui cabe um último, mas longo parêntesis. (Eu comecei dizendo que a burocracia ainda governa nossas vidas, mas a culpa não é só dela não.  O povo brasileiro tem muita responsabilidade neste estado de coisas, pois ele é absurdamente passivo, obediente e se encolhe diante de qualquer sinal de autoridade, mesmo que seja um simples segurança terceirizado de uniforme…

Nesta segunda triagem, houve um contratempo: ao dar as 13 horas, o mesmo segurança baixinho abriu a porta e falou algo para os que se aproximaram da porta… e fechou a porta de novo. Estes, mais próximos, retornaram para os bancos, e todos os demais, que haviam se levantado para formarem uma fila, ficaram se perguntando o que ele dissera, até que alguém falou mais alto: “O pessoal da limpeza foi desinfetar as salas agora e a triagem vai demorar um pouco pra começar.” Ouviu-se apenas murmúrios e todos voltaram a se acomodar nos bancos, à espera da reabertura…

Ninguém reclamou… ninguém protestou… ninguém brigou! Um ‘guardinha’ não se preocupa em dar o aviso em voz alta pra todos os presentes ouvirem e o pessoal da limpeza, que teve uma hora de porta fechada para desinfetar o local, só começou a fazê-lo na hora de abrir a porta e começar o atendimento! Não há explicação para isto! E não há porque ninguém reclama, protesta, briga… E a consequência óbvia é que o ‘guardinha’ ou o ‘chefe da limpeza’, que se sentem um degrau acima na escala  social, não têm o menor respeito por aquele povinho passivo, obediente, agarrado ao que Deus quiser que se reacomoda nos bancos lá de fora.)

Com o papelote escrito TRIAGEM retornei à senhora, que me mandou para um balcão de atendimento no subsolo. Quase vazio… apenas um senhor em cadeira de rodas e seu acompanhante. Cheguei no balcão e disse pra atendente, outra mocinha de novo, a um metro e meio de distância, que vinha ser internado pra uma operação intestinal na 4ª feira. Ela pegou meus documentos e ia começar a me cadastrar quando lembrou-se de perguntar se eu havia testado o vírus. Respondi que estava ali para isto e ela, meio enfastiada:

-Tem que testar o vírus primeiro, no ambulatório azul, entre 10 e 13 horas… e já passou das 13!…

– Mas o médico me mandou internar hoje…

– Não tem jeito… Ninguém é internado sem o teste! Só amanhã, agora…

De lá mesmo liguei pro médico, que me mandou voltar na manhã do dia seguinte e ir direto pra área de endo/colonoscopia. Fui, fiz a colonoscopia com tatuagem e ele remarcou a operação pra 4ª feira próxima. Repetindo mais ou menos, então, o que escrevi domingo passado, depois de amanhã, enfim, me defronto diretamente com a Medicina e com a morte, em plena pandemia do coronavírus e neste caos mitológico em que estamos. Já houve tempos em que eu tinha certeza dos dias seguintes. Hoje ainda tenho do hoje, quando ficarei acordado até o dia amanhecer, após pegar outro papelote de triagem e fazer o teste do vírus, e também do amanhã, internado pela primeira vez num quarto de hospital, e ainda do depois de depois de amanhã, anestesiado numa sala de operações.

A operação em si não me preocupa: quem trocou a pele duas horas depois de nascido e foi circuncidado com duas semanas de vida, não se assusta com a extração de um pedaço do intestino por vídeo-laparoscopia. O que continua  me preocupando, nesta segunda-feira friorenta, de novo sentado na varanda enquanto a noite desce atrás das árvores da minha chácara, é o que será depois de depois do depois de amanhã… (fim)

PS.: Neste momento, acabo de ficar sabendo que não estou sabendo nem do que será o amanhã… Se o resultado do teste do covid19, que eu fiz hoje, não ficar pronto até 4ª feira de manhã, a operação será transferida pra 4ª feira que vem… se o resultado do covid for válido por mais de 07 dias. Tudo bem… nós estamos numa pandemia, tudo fica desorganizado… que nem este Brasil do Mito!

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