Dasdô e o auxílio emergencial (I)

Dasdô, Maria das Dores Santana da Silva, é diarista de umas patroas na região onde moro. Paraibana de Cacimba de Areia, um distrito de Patos, terra de macho, chegou em Brasília nos primórdios de 2000, se arranchando na casa de uma tia, mulher de um caseiro também paraibano, mas com bastante tempo na região e com fama de trabalhador, daqueles que cria raízes na chácara e só saem dela se ela muda de dono, e ele não gosta, ou se a chácara só tem serventia especulativa pro dono.

Chegou com 23 anos, nova ainda pros padrões urbanos, mas velha pros do Sertão, Dasdô já vivera bastante: tinha amasiado cedo com um peão do coronel da região. Prenha, o pai, dono de seu próprio pedaço de terra, botou a cartucheira na cabeça do infeliz e ordenou o casamento. Como não passou padre na região, acabou se conformando com o amasiamento, que durou 10 anos e produziu 05 filhos, 02 mortos, de febre doida uma e de diarreia outro.

Quando o pai morreu – a mãe já havia morrido de parto – e o amásio assumiu a roça do pai, a vida, que já não era boa, degringolou. O Coisa Ruim – ela se recusava a dizer o nome do pai de seus filhos –  achou que era patrão e passou a dar em cima de tudo que era mulher das redondezas, menina-moça, compromissada ou casada. Ela não aguentou: não tinha mais aconchego e fugiu com os filhos pra casa da avó, em Souza e, depois de algum tempo, veio pra Brasília sem os filhos.

O arranjo pra vinda de Dasdô pra capital foi feito todo pela avó. Ela morava com a filha mais nova, viúva e mãe de três filhos jovens ainda solteiros. E percebeu que Dasdô tinha as partes baixas bem quentes (por isso, a revolta com o amásio/marido). Uma casa pequena com 03 jovens era uma tentação muito grande para uma família temente a Deus. A avó sabia das coisas e tratou de se prevenir.

Dasdô foi rapidamente convencida: o amásio/marido não se importou, no início, com a fuga dela… havia muitas pernas se abrindo pra ele, ainda jovem, pleno e dono de umas terrinhas. E sem ter que sustentar mais 04 bocas, melhor ainda. Mas, era macho, e macho não é abandonado pela mulher, como começou a ouvir pelas redondezas. Estava pensando muito seriamente em ir até Souza, botar a cartucheira que o convencera a amasiar com ela, na cabeça dela e trazê-la de volta.

Os parentes de Dasdô deram o aviso. Era melhor ela se precaver. E a avó aproveitou a ocasião. Ela cuidava dos filhos até Dasdô se arranjar em Brasília. E Dasdô, logo que arrumasse serviço, começaria a mandar dinheiro pra ajudar nestes cuidados. Demorou um pouco pro combinado começar a funcionar: Dasdô era xucra nas prendas domésticas! Claro, sabia o básico: passar vassoura na casa de chão batido, lavar roupa num córrego, tirar leita de cabra pra dar pras crianças, fazer arroz, feijão verde, macaxeira e cozinhar carne em fogão a lenha… estas coisas. Nunca mexera num ferro de passar, nunca vira um aspirador, nunca empurrara uma enceradeira. Aprendeu a ligar fogão a gás e guardar comida na geladeira na casa da avó.

Mas, mais rápido ou mais devagar, quem tem precisão, aprende. Os tios em Brasília não tinham filhos com eles, os 05, casados, moravam em São Paulo e, raramente, apareciam. A vida é sempre muito dura… E gostaram da presença de Dasdô como companhia na solidão da velhice. A tia, então, se esmerou pra dar um brilho na sobrinha, que ‘inda era jovem, forte e não tinha medo de trabalho bruto’.

Conheci Dasdô quando ela começou a trabalhar ‘pra fora’: fazia faxina na chácara de um casal estrangeiro que passava o tempo todo infernizando a vida dela, ele tentando leva-la pra cama, e ela tratando-a como slut, bitch, sheet…   quando minha mãe, com mais de 80 anos, e meu irmão saíram do apartamento na cidade e se mudaram pra casa de baixo na minha chácara – ela insistia em ter sua própria casa – e ia precisar de uma diarista pra fazer a limpeza pesada, lavar e passar roupa… Dasdô se encaixou direitinho no perfil desejado. Assim como minha mãe caiu do céu pra Dasdô.

Minha mãe era de família tradicional do sul de Minas. Apesar de correr pelo Brasil com meu pai sanitarista e fixar-se em Belo Horizonte em meados dos anos 50, nunca se livrou totalmente daqueles princípios de sinhazinha, de filha de donos de terras que tem empregados e empregadas, que tratam com educação e respeito, carinho e amizade até, mas desde que eles conheçam o seu lugar na escala social. E faz parte desta cultura tentar ensinar coisas práticas da vida aos empregados, para que eles, quem sabe um dia?, consigam ascender um degrau a mais na vida. (termina sexta)

 

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