Anotações de um velho à procura de vida (VI)

6. Vida versus morte

O aeroporto Dulles, na Virgínia, também é imenso, tem até trenzinho interno pra levar do check in até as salas de embarque, o que não quer dizer que a gente não tenha que andar corredores e mais corredores e descer escadas rolantes e mais escadas rolantes. Às 10 horas, embarcamos num avião quase vazio. Minha pretensa última aventura estava quase terminando… Ia parar na cidade do Panamá, esperar na sala de embarque umas duas horas e voar pra casa, fisicamente cansado, mas tão vivo quanto o príncipe da Branca de Neve. Brasília é logo ali…

As várias salas de espera estavam cheias… quatro delas, pelo menos, de brasileiros. Havia voos diretos pra Brasília, Porto Alegre, São Paulo e Salvador. A zorra era inevitável! Gente falando alto, gente reclamando, gente xingando basicamente a interrupção da viagem por causa do coronavírus e do medo de ficar preso  no lugar para onde tinham ido ou estavam indo. Uma menina-moça, que ganhara de presente de aniversário de 15 anos, a viagem pra Orlando, estava inconsolável. Um grupo de amigos de Paracatu tentava, desesperadamente, arranjar um hotel em Luziânia, mais barato, pra passar o resto da noite (nós iríamos chegar à meia-noite). Um casal mais idoso, de máscara, perto de mim, conversava baixinho, a mulher indagando do marido: Brasília instalou máquinas para detectar quem está com o vírus… E se nós estivermos? Vamos ser internados lá? Não vamos poder ir pra Goiânia?

As 08 horas de viagem foram bem incômodas. No check in, apesar do pedido da Lara e da minha aparência externa de velho, o atendente nos separou e nos colocou em assentos do meio. Ela foi pro 25E e eu fiquei no 11E, entre um jovem, que não conseguira chegar ao Texas, única coisa que disse quando tentei puxar uma conversa (imaginem só: eu tentando puxar conversa!) e uma senhora usando máscara, que tinha receio até de virar o rosto pro meu lado. Pouco antes da meia-noite pousamos em Brasília. E não havia máquinas, nem fiscalização, nem gente no aeroporto… Do lado de fora, Vanessa nos esperava. Estávamos em casa.

A recomendação oficial era que entrássemos em quarentena de 14 dias, tempo estimado de incubação do vírus, pra quem chegasse de países onde o covid19 já estava atuante. E nós estamos obedecendo religiosamente, apesar de termos saído um dia pra fazer compras (urgentes e necessárias) no supermercado. Mas, fomos de luvas e máscara.

E eu fiquei numa dúvida atroz: antes de viajar, meu check up havia apontado alguns problemas: possibilidades de células cancerígenas numa exérese (retirada) de pele do ombro que eu fizera (os tais pontos que ainda lá estavam e estão) e em um pólipo intestinal não retirado numa colonoscopia, além da necessidade de fazer outra endoscopia, desta vez com clipes, também para retirada de outros pólipos comuns do aparelho digestivo. E eu precisava cuidar disto…

Quando saí do Brasil, não estava me sentindo tão pleno de vida como agora que voltei. E, apesar da resistência do corpo, concordei com minha mente que podia adiar por uns dias tais procedimentos. Agora, me preocupei. E se demorar muito e o possível carcinoma resolva se espraiar pelo corpo já indignado pela minha desobediência?

Claro que eu posso alegar, pra mim mesmo, que os procedimentos não podem ser relegados a segundo plano, mas se eu fiz isto pra viajar, porque, de repente, eles passaram a ser urgentes? Minha justificativa era o risco para os outros: uma clínica está sempre cheia de pessoas, empregados e clientes, e se eu estivesse assintomático e transmitisse o vírus? Nesta discussão interior, acabei por decidir ligar para a dermatologista, que poderia me atender num consultório. Ninguém atendeu o celular ou o telefone da clínica, e permanece não atendendo (ou ela pegou coronavírus ou não quer correr o risco).

Aí, começou o processo de vacinação contra a influenza. Aqui no mato, o procedimento seria específico: vacinação apenas de idosos, só 3ª e 4ª feiras, e no galpão da associação, para que as pessoas ficassem bem afastadas umas das outras. Outra discussão interna: vou ou não vou? Eu tinha visto cenas de vacinação do 1° dia em alguns postos pelo Brasil: velhinhos e velhinhas se juntando nas portas, poucos com máscaras, ninguém de luva. Mesmo não havendo tanta gente assim, o risco aqui era enorme. Não fui na 3ª. E a vacina acabou… Pensei em ir na semana seguinte, já fora da quarentena, mas e se não houvesse mais vacina? Fui na 4ª, numa estiada da chuva… e não tinha ninguém, só eu!

Terminando de contar aquela que teria sido, mas não será, minha última aventura, minha mente começou a imaginar a próxima aventura aérea: Brasília/Washington/Panamá/ Havana/Lima/Brasília, compensando os dias que deixei de passar com filhas e netos e o mergulho não dado nas águas do Caribe em Varadero e os mojitos não tomados no El Floridita e com direito a uma escalada até Machu Picchu, mascando folha de coca.

Não sei se acontecerá… Os procedimentos adiados pra depois da quarentena e aquilo que eles indicarem podem mudar estes planos futuros, meu corpo pode se tornar mais convincente que minha mente, o coronavírus pode permanecer por um longo tempo e o dólar e a bolsa não permitirem que as bolas do touro de Wall Street me mantenham com a riqueza que poderia ter ganho facilmente, nem com as que ganhei com o suor do rosto, o que me tornaria, definitivamente, um velho latino americano sem dinheiro no bolso.

Restaria, então, a aventura definitiva. Mas, agora, mesmo querendo ficar, eu estou preparado para ela. Seja pra encontrar Deus ou, quem sabe?, pra ver o fim do arco-íris… (fim)

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