Anotações de um velho à procura de vida (IV)

4.Vírus versus vida

Eu disse que passar por Nova Iorque outra vez (eu estive aqui há 17 anos e por um dia apenas, aliás um feriado) teve uma motivação básica: sugar a vida que estava me faltando nestes últimos tempos. Acho que me dei mal. Não por causa de Nova Iorque, mas pelo coronavírus, que quase fechou a cidade nos 05 dias que passei por lá (e fechou, realmente, pouco antes de sair de lá).

Quarta e quinta feiras nós batemos pernas pelo West Side. Perdemos um bom tempo, andando de um lado pro outro atrás da compra de passagem de ônibus de Nova Iorque para Washington. Eu imaginei que era só encontrar a rodoviária interestadual e pronto, mas não era. Daí, fomos à Penn Station, a uns 10 quarteirões do hotel. Não era lá. E lá, informaram que era out Penn Station, mas não havia nenhuma rodoviária fora da Penn Station.

Pergunta daqui, pergunta dali, disseram que era na Port Authorite, uma estação de metrô que ficava quase ao lado do hotel. Não era. Neste vai e vem, rodamos bem por Times Square, fotografamos a sede  do New York Times, o Grand Central Terminal, a maior estação ferroviária do mundo, e a famosa pista de gelo do Rockfeller Center, e subimos até o 48º andar dele, para uma visão aérea de Manhattan (um risco que ignoramos: o elevador estava cheio de gente, e sem máscara!)

Quinta à noite, saímos para o Majestic. Eu havia lido que o governador de Nova Iorque, o Estado, havia decretado o fechamento de todos os museus, teatros, shows, espetáculos a partir de sexta-feira e me felicitei pela escolha da 5ª feira pra ver Fantasma da Ópera. Nos demos mal: o próprio teatro havia decretado o fechamento do espetáculo. Disseram que iam devolver o dinheiro, mas só vou saber disto quando meu cartão de crédito confirmar.

Frustrados, voltamos pro hotel, onde comecei a escrever este blog, na esperança que o dia seguinte fosse melhor: Lara havia programado um passeio por Down Town, com direito a olhar a Estátua da Liberdade. Era um programa adequado à minha situação: pegaríamos o metrô cedo (outro risco) e não haveria um bater de pernas, já que minhas panturrilhas, meu joanete e minha coluna estavam começando a pedir água.

Pegamos o metrô em Port Authorite, logo ali, e paramos numa pracinha, já avistando a verde Liberdade. Em vez de tomar um barco pra ilha da Estátua (caro), pegamos um ferry boat (de graça!) pra Staten Island, que passa ao lado dela, com uma boa perspectiva fotográfica. Ou seja: eu não entrei na Estátua, não passei-lhe a mão nela e nem me senti em algum filme do X Men, mas vi a estátua de perto… e sem pagar um cent a mais por isto. Pra que mais?

Na volta de Staten Island, noutro ferry boat gratuito, houve certa dificuldade de fotografar a Estátua do outro lado… Ela não deve ser tão fotogênica do lado esquerdo! Mas, eu tive a primeira visão duma realidade que não é exclusividade de países como o nosso: fui jogar o guardanapo de um sanduíche na lixeira do ferrry boat quando um negro grande e encapotado, encostado na amurada, me falou alguma coisa. Eu não entendi e expliquei: ’I don’t speak English. O cara resmungou mais alto e eu repliquei: “I’m a brazilien…’ O cara insistiu, Lara percebeu, pensou que eu estivesse jogando o guardanapo onde não devia e foi até lá pra ver o que era… O cara estava pedindo uma esmola, apenas.

Daí, voltamos a bater pernas até a Brooklin Bridge, passando por Wall Sreet, onde o touro de ovos e chifres ‘de ouro’ aglomera turistas com a doce ilusão de que é muito fácil ficar rico apenas fazendo dinheiro a partir do dinheiro. Não sei por que, lembrei de meu avô Juca Brito, em uma das poucas conversas que tive com ele: “Se você tiver pouco dinheiro, guarde debaixo do colchão… Se tiver muito, compre terras! Só use banco pra pegar dinheiro emprestado, assim mesmo se for amigo do gerente e os juros forem de pai pra filho! E no Banco do Brasil, que o governo acaba perdoando a dívida!”

No início da subida da Brodway Street consegui, finalmente, comprar luvas – que usei pra coçar as bolas do touro – mas continuei sem encontrar bengala. Entramos num imenso magazine de vários andares, Lara a procurar casaco jeans, não comprado pela exorbitância do preço, e fomos parar no Memorial ao 09/11, três monumentos grandiosos: o pássaro de asa partida alçando voo, o museu e o lago sem fundo, onde as lágrimas nunca param de escorrer. Pena que o capitalismo selvagem é mais forte que qualquer outra coisa para os americanos: sob as asas do pássaro, um grande espaço cheio de lojas.

Caminhamos  mais um pouco e chegamos à ponte. Lara pretendia andar por ela (ver a arquitetura), mas minhas pernas se recusaram, andamos  só um pedacinho, passando por algo tão comum em todos os lugares por onde andei: camelôs vendendo, principalmente, lembrancinhas da ponte.  O metrô ficava próximo e voltamos pro hotel, eu me preparando pra sexta-feira: Updown, com o Museu de Guggenheim e uma longa caminhada pelo Central Park. Animados, saímos cedo pra pegar o metrô. Chovia! Na porta do hotel, um esperto capitalista: guarda-chuva a US$10!

Comprei e fomos assim mesmo. No metrô, uma cena comum de filmes americanos: jovens negros e latinos ‘invadiram’ o vagão, ‘afrontando’ os passageiros… Só que eram pré-adolescentes, 12 a 15 anos, certamente saindo da escola e indo pra casa, que tomaram conta do vagão onde estávamos, gritando, dançando e fazendo uma pressão sutil pra todos saírem dali, que o pedaço era deles. Interessante: o grupo era liderado por uma latina sarará miudinha e por  um pretinho gordo que sacudia as banhas em gingados punk pelo vagão, raspando pelos passageiros sentados. Como o metrô ficou parado na estação, em pouco tempo, todos os passageiros, inclusive nós, acabamos descendo. Não ouvi, mas tenho certeza que quando o último passageiro do vagão desceu, eles soltaram um grande grito de guerra!

O Guggenheim estava fechado, assim como todos os museus, espetáculos, shows ou qualquer local passível de aglomeração, por decreto do governador (isto foi dia 13, uma sexta-feira: a capital do mundo foi fechada, enquanto Trump menosprezava os riscos e o presidente do Brasil dizia que coronavírus era uma gripezinha!). O Central Park estava aberto, mas quase deserto e nós demos só uma entrada e retornamos pro hotel. De tarde, o sol abriu e nós voltamos ao parque, só pra passear. Lara não percebeu, mas me emocionei ao passar pelo local onde Simon e Garfunkel fizeram um dos shows marcantes da minha vida. (continua amanhã)

 

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