As meninas que amavam rosa (II)

Explico: Professor André dizia que todos os esforços dele, dos professores e da comunidade para se integrarem e buscarem um futuro mais digno e promissor para os jovens seria inútil se todos não combatessem as drogas. E iniciou uma verdadeira guerra contra traficantes que viviam rondando a escola, ao mesmo tempo que promovia palestras e sessões de cinema, fazia excursões a clínicas de recuperação de drogados, mostrando aos alunos os perigos de se tornarem viciados.

O tráfico, evidentemente, se incomodou. Certa madrugada, ouvindo barulhos estranhos em volta de sua casa, na chácara, Professor André saiu armado na varanda e levou um tiro na testa. Morreu na hora. A polícia, algum tempo depois, conseguiu pegar os assassinos, um aluno e dois ex alunos da escola e um traficante da região, que foi quem deu o tiro certeiro. Os mandantes, óbvio, não foram sequer incomodados, mas os executantes foram condenados e presos, e os três primeiros certamente já foram soltos.

A nova direção da escola fechou-a à comunidade. Dizia que a responsabilidade da escola estava limitada aos muros dela… o que alunos e pais ou responsáveis faziam fora era pertinente apenas a eles, alunos e pais. Pouco depois, por problemas de saúde, me afastei da associação e não tive mais contato com os patrões de Olga. A última notícia que tive foi de que ela, talvez no intuito de atender a filha, tinha se amigado com Xico da Moto, uma figurinha conhecida na região que, provavelmente, não fazia parte do tipo de pai que Rosaura desejou.

Xico da Mota era um paraibano atípico: alto, alourado, usava topete de galã e costeletas grandes e, nos fins de semana, vivia desfilando de camisa aberta onde havia concentração de gente, principalmente mulheres jovens. Chegava acelerando sua moto sem silenciador, chamava a atenção de todos, parava a moto, encostava-se nela e sempre tinha alguns amigos para um papo machista que encantava mocinhas e mulheres cansadas dos maridos trabalhadores do campo, sem tempo para atenção e carinhos.

O ex patrão de Olga – assim que Xico da Moto se abancou na casa dela, ela foi demitida – levantou a hipótese de que a intenção real dele fosse Rosaura, mas eu discordei, por saber que ele não tinha chance, pois Rosaura não ia querer, ela pensava bem mais alto… Meu caseiro à época é que deu a explicação real:  o grande interesse de Xico da Moto era ter vida boa, alguém sustentando sua moto, suas andanças, suas aventuras, sem que ele precisasse trabalhar duro, mesmo de mecânico de motos, que era o que ele costumava fazer quando não estava amigado com alguma trabalhadora.

Mão de obra de qualidade na região não é muito fácil e Olga era uma caseira de reconhecida competência: logo estava empregada noutra chácara, cujo dono vivia viajando, ou seja, pouco se lhe dava se sua eficiente caseira era amigada com um picareta. Enquanto ela cuidasse bem do sítio, não era problema dele.

E a vida continuou, cada um cuidando da sua. Até a semana passada, quando revi Rosaura no noticiário da televisão. Seu corpo fora encontrado  por uns meninos num matagal de uma chácara abandonada. Estava nua, com três facadas no peito e na barriga, o short rosa enfiado na cabeça e sinais evidentes de agressões e resistência e de estupro.

Primeiro suspeito: Xico da Moto, mas a própria mãe dela, Olga, disse que eles estava doente, de cama, e ela não saíra de perto dele durante toda a semana. Amigos, colegas e admiradores foram investigados, mas a polícia só chegou no assassino depois que, numa busca posterior nas proximidades do matagal, encontrou uma cinta pênis retrátil daquelas vendidas em sex shop. A perícia complementou o quadro ao não encontrar esperma em Rosaura e as investigações na escola apontaram para Geraldona, uma colega de Rosaura, que tinha conhecida fixação nela. Presa, confessou sem maiores traumas.

Em entrevista, disse o delegado que ela estava arrasada. Se apaixonara por Rosa no dia que a conheceu no colégio, mas se contentou por um bom tempo em ser uma boa amiga e, às vezes, protetora. E percebeu que ela, apesar de viver rodeada de ‘urubus’, não se encantava por nenhum, só falava em escrever e ser jornalista… Num dia que estava levando Rosa de bicicleta pra casa, teve coragem, parou no caminho e se declarou apaixonada. Ela riu e disse que ela não tinha piroca. Ela mostrou que tinha, Rosa se assustou e, depois de xingá-la, falou que ia zoar dela por usar um negócio daquele por baixo da roupa. Ela ficou puta, deu um empurrão nela, Rosa caiu e ela pulou em cima dela, que começou a gritar. Bateu sua cabeça no chão até ela parar. E amou-a, desmaiada, ali no chão mesmo. As facadas foram depois…

A imprensa foi rápida ao manchetear o ocorrido: “O crime do shortinho rosa choque” (ele não era choque, mas manchete é manchete). E a grande dúvida dela, agora, é como classificar o crime: crime passional ou feminicídio? O que é pertinente, pois foi o primeiro feminicídio feminino do país…

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