A volta do parafuso: 56 anos depois (II)

Hoje, janeiro de 2020, eu estou à beira dos 72 anos. Convivi um quinto da minha vida, durante minha formação, com uma democracia ameaçada, outro quinto e meio com uma ditadura, e mais dois quintos e meio com uma democracia mambembe, que se assusta a cada peido de um general, mesmo que acometido de uma doença degenerativa, que indicaria, num país mais sério e considerando a filosofia militar, sua impossibilidade de comandar qualquer coisa, já que até sua cadeira de rodas tem que ser comandada por um ajudante de ordens.

E sinto que a mudança essencial para que o Brasil se tornasse algo mais que apenas ‘mais um’ no concerto das nações, esvaiu-se. Não vejo na juventude de hoje, colegiais, universitários, jovens profissionais encarando seus estudos e profissões como uma oportunidade de vencer na vida e, ao mesmo tempo, mudar o país e o mundo, como um auto de fé… A imensa maioria que, parece, adotou as redes sociais como forma de se expressar e comunicar sentimentos e posturas, acha a segunda parte, mudar o país e o mundo, ridícula, coisa de idiotas!

Em 1954, quando eu tinha 06 anos, minha mãe me levava para uma escola infantil quando nos deparamos com uma passeata-monstro em plena avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte. Alguns anos depois, eu entendi o porque daquela passeata-monstro, um protesto do povo pelo suicídio de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”. Aquela multidão na Praça 7 me marcou profundamente por muitos anos, mas me deu a certeza que, se “o povo unido jamais será vencido”,  no Brasil ele será vencido sempre, pois nunca se une… No máximo, tem um espasmo catártico logo após um choque, mas volta rapidamente ao seu estado normal de letargia.

Ao longo da vida me convenci disto… A individualidade é preponderante no ser humano, e ela cultiva o egoísmo. E este egoísmo atávico do brasileiro ficou patente numa histórica e marcante propaganda de cigarro estrelada por um ídolo da época, Gerson: ‘eu quero levar vantagem em tudo’ … A evolução do mundo desde 1963/64 não mudou isto… Aliás, nem Jesus Cristo após dois mil anos de sua presença na Terra mudou isto. Ao contrário. Em seu nome, pastores neo-pentecostais pregam  a vontade de Deus no fortalecimento de suas crenças… e enriquecimento de seus próprios bolsos.

Enfim, mais de 50 anos depois de minha passagem para a juventude, quando faço a passagem para a velhice, vejo que o parafuso está dando mais uma volta: com poucas diferenças, a perspectiva de anos sombrios em 1963 se apresenta de novo neste 2020 e, como naquela época, não são muitas as pessoas que alertam para o que significa esta volta no parafuso…

Em 1963 havia um governo que queria, democraticamente, implantar reformas essenciais para modernizar o país, reduzindo as amarras conservadoras e criando oportunidades para o desenvolvimento de 80% da população. E uma oposição reacionária, que achava que qualquer tipo de mudança no ‘status quo’ da sociedade brasileira era um ataque cubano-castrista aos princípios democrático-cristãos do país, sem mencionar a possível redução de suas mais que ‘merecidas’ riquezas e  privilégios.

Com ajuda dos militares e apoio dos Estados Unidos, os últimos venceram. Os tempos sombrios tornaram-se brutais. Em certos estamentos sociais, o povo cordial tornou-se um poço de ódio, cujas feridas custaram a cicatrizar… e voltaram a se abrir nos últimos 03 anos. Depois de um longo período – 1988 a 2014 – em que situação e oposição se enfrentavam democraticamente, mudando e desenvolvendo o país no voto, a democracia desandou. E os tempos sombrios voltaram…

O parafuso está fechando sua volta: o próximo passo serão os tempos brutais. Quem viveu aqueles tempos está morto, descrente ou velho demais para sair berrando pelas ruas. Mas, a hora é esta! Todos os sinais já foram dados neste ano de governo bolsonário, que antes mesmo da eleição, já buscava o confronto constante, não medindo atos ou palavras para confrontar e acirrar os ânimos dos adversários. Ou, melhor, dos inimigos!

Um dos últimos sinais, há poucos dias, foi simbólico: ‘se pegar ministro meu envolvido em corrupção, penduro no pau de arara!’  Foi um chiste, dizem partidários e adversários… Claro, foi um chiste… Mas, de chiste em chiste, brutalidades como a tortura são normalizadas pelo povo e, quando elas chegarem, não haverá ninguém para se indignar e lutar contra elas. Como nos anos brutais, nem Raul Seixas, o maluco beleza, escapou delas…

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