De rock, Caê e satanismo (I)

Eu já escrevi algumas vezes que construí meu gosto musical discutindo política na casa de um amigo que não gostava de política, mas gostava de reunir amigos para ouvir músicas, velhas e novas, na bem fornida discoteca que ele tinha. Eu e mais dois amigos, membros da Juventude Estudantil Católica, saíamos do Colégio Estadual e íamos para sua casa, discutir política… com a desculpa de ouvir música (os dois eram da JEC, eu não, porque, comungando dos mesmos ideais e compreendendo a importância da Teologia da Libertação num país miserável como o nooso, permanecia fiel ao meu ateísmo e virar jovem católico seria hipocrisia de minha parte),.

Eram anos sombrios, mas ainda não brutalizados pelos porões da ditadura. Minas era governado por um banqueiro bastante alinhado a conservadores e militares e, antes mesmo dos tanques saírem às ruas, havia muita desconfiança e certa vigilância em torno de jovens que pertenciam às JEC’s, JUC’s e JOC’s e de religiosos ligados à Teologia da Libertação, como os dominicanos, cujo convento ficava próximo ao nosso colégio. Ou seja, a partir de determinado momento, transferimos nossas reuniões do Convento para a casa do Wandeir.

Apesar de amedrontadores, foram bons tempos para mim. De um lado, a sensação de estar participando de uma luta em defesa da liberdade e do povo oprimido de meu país e, de outro, o prazer de tomar conhecimento de movimentos musicais que estavam revolucionando os tradicionais ritmos e costumes  no Brasil e no mundo. Em minha timidez meio careta, não me dei muito bem com o rock and roll e sua zoeira de guitarras e baterias, não me entusiasmando Shadows, The Who ou, mesmo, Rolling Stones, ou Joplin e Hendrix – Elvis, pelo menos, tinha umas baladas lindas, especialmente para quem sonhava com amores impossíveis.

Em compensação, me apaixonei por Nara, Elis, MPB-4, Quarteto em Cy, Tom, Chico, Vinícius e, mais tarde um pouco, pela Tropicália de Gil, Caê, Gal, Rita Lee e os Mutantes, o que foi um pouco contraditório: estes eram roqueiros, na mesma balada dos americanos, e eu gostava de ouvi-los, mesmo sozinho em casa. Daí aos Beatles foi um pulo…

Foi um tempo muito rico para mim e para a música brasileira, por causa dos festivais de música que levavam multidões de jovens aos espetáculos e revelaram centenas de músicos e cantores. E, paralelamente, trouxeram para a juventude brasileira opções de vida diferentes do padrão patriarcal até então existente. Evidentemente, estes novos caminhos criaram choques entre as gerações. Os “velhos” consideravam o rock, principalmente, uma música sem pé nem cabeça, uma barulheira infernal de letras estapafúrdias, tocadas e cantadas por jovens cabeludos, sujos e sem educação, bagunceiros, que praticavam sexo livre e gostavam de substâncias perigosas.

“Velhos” no caso, é força de expressão. Meus pais – que não gostavam de rock, mas também não o demonizavam – tinham 56 e 47 anos então. Mas é fato que durante um bom tempo, e não só no Brasil, houve muitos lugares em que não se admitia tocar rock and roll. Até que um dentuço efeminado com uma voz incomparável misturou rock e ópera e arrebentou os salões bem comportados e solenes do Império Britânico… e ganhou o mundo!

Infelizmente para os olavistas ferrenhos, para os seguidores da Teologia da Prosperidade, para as pobres almas que conseguem ouvir e acreditar nas prédicas de dona Damares e seus crucifixos vaginais, qualquer expressão cultural, música, teatro, pintura, escultura, artes plásticas, quaisquer manifestações artísticas são bem mais poderosas que a vontade de donos da verdade, ditadores, pregadores bíblicos e que tais… elas acabam se impondo e impondo mudanças às vidas de muita gente.

Daí porque não adianta o bolsonarismo encher o governo de figuras pescadas no Inferno de Dante, numa tentativa de endemoninhar, desmoralizar e submeter nossa cultura às ideias emboloradas, pornográficas e preconceituosas de seu guru, Olavo de Carvalho, um astrólogo de fancaria que se considera filósofo, mas não é po..a* nenhuma, um falastrão que consegue atrair jovens para seus cursos astrológicos e ‘filosóficos’ (sic) e suas redes sociais, usando uma ciência própria, a anal-logia – toda frase dita por ele termina com: É o c.*! Vá tomar no c.*! E no c.*, nada? E no c.* da mãe, serve? (continua)

PS: (peço perdão pelo pecado de colocar uma aula do guru após a genialidade de Fred Mercury, mas nós estamos precisando de choques, para ver se conseguimos reagir…!)

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