Tinha um pretinho no meio do caminho

Aí eu vi a preta à porta do Banco do Brasil. Uma preta e um pretinho, e não era bem à porta do Banco do Brasil, era ao lado. Não sei se o senhor conhece, claro que conhece, a agência central, aquele prédio monumental… A lateral é de mármore, uma imensa parede de mármore cinza coruscado, seguida de outra imensa parede de concreto ladrilhado, formando um corredor aqui e ali com uns canteiros arborizados…

Pois a preta e seu pretinho – eu presumo que era dela – estavam ali junto ao mármore, mendigando. Quer dizer, eu imaginei que mendigavam, pois nas duas vezes que os vi, ela, principalmente ela,  já que o pretinho era muito pequeno, não levantou olhos e mão naquele gesto característico de quem mendiga, sabe como é?

Da primeira vez, quando eu passava a caminho da porta do banco, para retirar dinheiro no caixa eletrônico, a preta olhava para baixo, para a cabeça do pretinho, que estava agarrado a ela, mamando num peito que eu não vi, pois a cabeça do pretinho tampava qualquer visão.

Aliás, foi o que me chamou a atenção, apesar de eu não ter parado, e só ter ficado olhando enquanto passava. Daí, eu ter certeza de a preta, naturalmente ela, já que o pretinho estava muito ocupado, não ter levantado mão e olhos mendigando.

Da segunda vez que os vi, eu já vim olhando desde a hora em que saí do banco, e já com dinheiro no bolso. O pretinho não estava mamando mais, e disso eu tenho certeza, pois ele engatinhava perto da preta, mas em direção a um dos canteiros.

Eu diminuí um pouco a minha passada pois, mesmo não sendo matemático,  – ou seria físico? – dava para calcular que se eu continuasse no passo que eu estava, eu ia acabar tropeçando ou pisando no pretinho que engatinhava, e aproveitei para ficar reparando na preta. Afinal, eu precisava ter certeza que ela estava mendigando…

Era uma preta de traços não muito pretos, entende? Não tinha o nariz achatado e nem lábios grossos, apesar do cabelo ser bem encarapinhado e a pele bem preta, tanto que o branco dos olhos chamava a atenção.

Mas, ela estava suja. Ou melhor, suas roupas estavam sujas. Interessante… agora que eu estou contando isto, eu só consigo me lembrar que a roupa era suja, não consigo lembrar que roupa, que cor era a roupa que a preta vestia. De seu rosto me lembro bem… Ela olhava o pretinho que engatinhava e sorria sem abrir a boca. Parecia, sinceramente, satisfeita, uma impressão de amor exalando daquele olhar triste, porém satisfeito… dá para entender?

Uma coisa que eu não previra nos meus cálculos matemáticos – físicos? – é que o pretinho pararia de engatinhar bem no meio do meu caminho, caminho por onde eu seguia ainda a observar a preta, que olhava o seu pretinho. Daí, eu tive que parar de supetão. E, rapidamente, levei a mão ao bolso para pegar algumas moedas para atender o pedido que, forçosamente, a preta iria, com mão e olhar tradicionais, fazer.

Ela não fez.

Juro que eu fiquei um minuto ou mais com a mão já enfiada no bolso, pronta para sair de lá com as moedas que ela deveria pedir. Mas, ela não pediu. Nem olhou. Só arregalou os olhos quando eu tirei a mão vazia do bolso e chutei a cabeça do pretinho…

E esta é a minha única dúvida: se ela não estava mendigando, o que ela e seu pretinho faziam ali, quase à porta do Banco do Brasil?

 

 

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