Porque nossa democracia é mambembe (I)

Como eu já escrevi aqui, para compensar minha falta de ‘machismo’, que me tornou um pacifista já na juventude, eu fugia das brincadeiras estúpidas e violentas naturais nos meninos daquela época – hoje, eles usam jogos virtuais no computador para extravasar machismo e violência – e me refugiava na biblioteca de meu pai, na verdade o quarto de empregada do apartamento em que morávamos, sem empregada… mas atulhado de livros.

Com isto, tentando entender a humanidade e o indivíduo – eu sonhava em ser psiquiatra ou psicanalista – acabei me defrontando com clássicos da literatura, que não são muito fáceis de serem lidos e, pior ainda, de serem compreendidos… Mas, eu era teimoso naquela época – eu tinha lido Capitães de Areia, de Jorge Amado – e tinha certeza que a única forma de não viver sendo gozado ou apanhando na rua, era me tornar o ‘Professor’ da turma. E mergulhei nos clássicos também!

A República foi o primeiro. O filósofo grego Platão escreveu-o como se fosse uma palestra de Sócrates, seu mestre, que discute a ideia de uma sociedade justa em contraposição às injustiças das sociedades então existentes. Depois, enfrentei Satiricon, de Petrônio, uma descrição bem safada da sociedade romana à época de Nero, a partir das aventuras e desventuras de um romano e seu amante tentando conquistar  um  servo, que se intromete entre os dois. E ainda li Utopia, de Thomas Morus, que descreve a sociedade perfeita, a partir de um diálogo de alguém que a conheceu num lugar qualquer ao sul dos trópicos (não o Brasil, certamente…).

Sabendo mais que os outros, eu me tornei, realmente, o ‘Professor” da turma: não sabia e nem gostava de brigar, mas sabia dar conselhos de como enfrentar os pais… sem enfrenta-los, de como ‘chegar’ na menina de olhos azuis e bunda arrebitada, de como comprar a revistinha do Carlos Zéfiro (o rei da pornografia) e esconder em casa… (não existia Playboy vendida em banca naquela época!)

De um lado, isto fez com que eu sobrevivesse durante a juventude: meus amigos não me consideravam um covarde, que tinha medo de uma porrada nos cornos, ou uma bicha enrustida… ao contrário, me respeitavam e me defendiam, se fosse o caso.  De outro, me ensinou que o conhecimento é fundamental para o ser humano, conhecimento este que a elite brasileira faz questão de impedir que chegue ao seu povo.

Eu estudei toda a minha vida em escolas públicas: num grupo municipal, num ginásio estadual e numa faculdade federal e, em 18 anos de aprendizagem, da melhor e mais correta aprendizagem, acompanhei a decadência do ensino público no Brasil, tanto que, quando chegou a vez de minhas filhas aprenderem, eu busquei escolas privadas para elas (apenas as universidades foram públicas, porque a destruição destas foi barrada durante os últimos anos, só voltando com força no governo atual).

Neste processo de destruição, o jogo jogado pela elite brasileira é inexorável, segue o padrão tradicional dos ‘coronéis’ nordestinos desde os tempos coloniais. Já contei isto aqui também, mas não custa relembrar: numa usina de açúcar e álcool que visitei alguns anos atrás, uma velha professora me mostrou, orgulhosa, a meia dúzia de escolas primárias que ela dirigia na área do latifúndio.

Quando perguntei quantas escolas secundárias havia, ela disse que nenhuma, pois não era necessário. “Como não?” – retruquei. E ela, convicta e candidamente: “Pra trabalhar no canavial, os meninos só precisam saber ler e escrever… E as meninas, cozinhar, costurar e cuidar dos filhos! Quem quiser ser doutor, que vá embora pra cidade…!”

PS. E a gente ainda tem que aturar o presidente da República dizer que o trabalho infantil enobrece… e um monte de bem-nascidos tentando justificar esta estupidez, dizendo que trabalhou com os pais quando era criança e se sente grato por isto…! (termina quinta)

 

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