Política na veia (II)

Ao longo de 50 anos, eu aprendi algumas coisas infalíveis na política, uma delas que uma frase atribuída a Magalhães Pinto, banqueiro e ex-governador de Minas, um dos grandes líderes civis da ditadura, é totalmente ignorada pela esquerda, que, parece, não consegue alcançar seu significado, talvez porque quem a disse foi um banqueiro de direita. A frase é esta: “Política é como nuvem. Você olha, está de um jeito. Olha de novo e já mudou.”

A direita sabe exatamente o que esta frase quer dizer: não há certezas nem cláusulas pétreas em política…“Se não dá pro Alkmin, vamos de Bolsonaro mesmo. Se o Bolsonaro é uma merda, vamos preparar o Huck… O fundamental é ter o poder, não importa quem é a figura que vai dar entrevistas, que vai viajar pelo mundo, que vai parecer que manda no país…! Quem movimenta os cordéis somos nós, no nosso interesse, e é só isto que importa!

A esquerda, ao contrário, nunca vê nuvens, vê horizontes longínquos e irremovíveis, belos e ensolarados quando está no poder, escuros e tempestuosos quando está fora dele.

É como eles estão agora e, como em todas as vezes em que isto aconteceu, em vez de unir todas as suas vertentes, ela se perde em discussões estéreis, cada vertente querendo  predominar e impor sua visão de mundo.

Do mesmo modo, enquanto as lideranças conservadoras não fazem questão nenhuma de aparecerem para a população – a gente sabe quem são: os banqueiros, os financistas, os empresários, as multinacionais, o capital enfim –  as lideranças populares sentem uma necessidade vital de serem representadas por um líder carismático, cuja palavra precisa ser ouvida e seguida pela massa.

Daí, a facilidade da direita em impor, numa clara ordem unida sem maiores discussões, o cara cuja cara a representará perante a população… bem como a facilidade de substituí-lo, caso ele se mostre eleitoralmente inviável ou politicamente frouxo ou necessariamente substituível.

É só relembrar os movimentos políticos com vistas à eleição presidencial de 2018 para comprovar isto. Durante um bom tempo, a direita lançou balões de ensaio, sempre inflados pela grande mídia, fiel parceira: Joaquim Barbosa, Henrique Meirelles, Ronaldo Caiado, João Dória, Sérgio Moro, Álvaro Dias, Luciano Huck… e Geraldo Alkmin. O nome preferido, claro, era o então governador de São Paulo, mas considerando os fatores Lula, quase invencível e ainda possível, a incógnita (ainda) Bolsonaro e a insegurança provocada pelo chamado ‘Picolé de Chuchu’ (o apelido já diz tudo), era importante verificar a viabilidade de outros nomes. Nenhum viabilizou-se, Alkmin foi cristianizado e entronizaram Bolsonaro mesmo!

Doutro lado, a dificuldade da esquerda em apresentar um projeto de poder único, um programa de governo único,  uma cara única, que representasse as caras de cada uma de suas vertentes, Lula, Ciro, Marina, Manuela, Boulos,  Aldo… É óbvio que a esquerda tinha o cara, Lula, que todos sabiam que seria, de qualquer jeito, impedido de concorrer e, mesmo assim, para manter a ascendência do petismo sobre a esquerda, não abriu mão de sua  candidatura, até ficar de fora e ser representado por Haddad. Se Lula fosse menos Lula e Ciro fosse menos Ciro, certamente Ciro seria presidente do Brasil hoje!

Bolsonaro foi eleito e já mostrou a que veio. Ou melhor, a que não veio: governar num regime democrático ele não quer e não sabe. A direita que o elegeu sabia desse risco, pois conhecia seu entorno. E não se surpreendeu com parte dos ministros civis escolhidos: são figuras ridículas, sem preparo para criar e conduzir programas conservadores de grande alcance e longa duração, preferindo executar o feijão com arroz  da politiquice rasteira ou tentando impor um viés ideológico em decisões que são inequivocamente técnicas.

Mas a direita confiava nos três pilares que amarrou à candidatura Bolsonaro, os generais da reserva, saudosos da ditadura e do poder de então, o Posto Ipiranga, um Chicago boy ultra liberal, que implantaria o neoliberalismo no país, e o herói da Lava Jato, que prendeu Lula e manteria a esquerda inerte e prostrada, incapaz de reagir às privatizações e às reformas urgentes e fundamentais  para reduzir os poderes do Estado e os excessivos direitos populares, introduzindo definitivamente o Brasil no livre mercado, uma colônia eternamente subdesenvolvida de pernas abertas para o capital nacional e internacional. (termina amanhã)

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