Elucubrações previdenciárias (I)

Na época em que eu ainda estava na ativa, o instituto de previdência complementar da empresa, que eu havia ajudado a fundar, sofreu intervenção do órgão controlador. A razão oficial era que ele não cumprira os requisitos exigidos por uma mudança qualquer na legislação e, por isto, estava acumulando uma ‘dívida passada’ que o tornaria  incapaz de cumprir seus objetivos básicos de garantir a aposentadoria complementar de seus participantes.

Teve, infelizmente, uma meia verdade nesta justificativa. Na gestão anterior, eleita pelos próprios participantes do Instituto, haviam sido detectadas algumas irregularidades e decisões administrativas pouco aceitáveis, que já estavam sendo investigadas e corrigidas pela então diretoria do Instituto. Um alto executivo da Esplanada dos Ministérios, com poder sobre a empresa mantenedora do Instituto, tentou, então, direcionar suas aplicações financeiras, através da indicação de um ‘gerente financeiro’, o que não foi aceito pela direção do nosso Instituto. Solução: afastar os diretores eleitos e intervir…

Quando a intervenção foi oficializada, com o afastamento dos diretores, eu fui procurado para fazer uma ponte com a grande imprensa, numa tentativa de denunciar a ‘sacanagem’. A grande imprensa não se interessou muito pelo assunto… apenas a IstoÉ, uma revista semanal ainda confiável (não era chamada, ainda, de QuantoÉ) escalou um repórter para ‘pesquisar’ o assunto. A matéria não saiu e o Instituto ficou sob intervenção do órgão controlador durante 07 anos… E foi ‘devolvido’ ao controle dos participantes sem que o motivo oficial da intervenção, a dívida passada, tivesse sido solucionado. É o caso de se perguntar: para quê órgão controlador?

Vida que segue. Nova diretoria nomeada pelo Conselho Deliberativo (as regras haviam mudado, não havia mais eleição pelos participantes do Instituto), e a luta para regularizar a dívida passada continuou. Centenas de reuniões depois, milhares de documentos elaborados, discutidos, analisados por dezenas de órgãos de controle, do Instituto, da Patrocinadora e do Governo para se chegar a um acordo definitivo: parte da dívida seria coberta pelos participantes, parte da dívida seria coberta pela Patrocinadora.

Assinado o acordo, o Instituto foi enquadrado em novas regras da previdência complementar: foram criados três planos, dois para atender os participantes já beneficiários de aposentadoria e pensão, e um para os futuros participantes (os primeiros já tinham contratado um plano previdenciário CD, de Contribuição Definida, e os segundos teriam que contratar um plano CV, de Contribuição Variável, definida por eles, que contribuiriam mais ou menos por mês, de acordo com o valor do benefício que eles gostariam de receber quando se aposentassem).

Poucos aposentados e pensionistas permaneceram no Plano original , a imensa maioria aderiu ao chamado Plano Saldado, que manteve a Contribuição  Definida, mas abateu das Reservas garantidas, um percentual para pagamento da parte da dívida que cabia a cada participante; outros aderiram ao novo Plano, assim como aqueles que se aposentaram após esta reformulação.

Recentemente, zapeando por um grupo criado pelo Instituto, exatamente para debater seus assuntos e ações, descobri que o pessoal que aderiu ao novo Plano está sujeito a reduzir significativamente o seu benefício: é que a lei estabelece que se a Patrocinadora não cumpre seus compromissos, a parte da dívida que lhe cabe tem que ser provisionada pelo próprio Instituto, ou seja, a redução das reservas impactará diretamente no valor dos benefícios pagos hoje… até a Patrocinadora (que depende do governo) se mancar e começar a pagar as parcelas que lhe competem ou, simplesmente, ser acionada na Justiça pelo Instituto. (continua amanhã)

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