É mentira, pô…! E daí? (II/II)

Relembro esta história de família por causa das tão badaladas fake news dos tempos modernos. Nos anos 50, fake news eram o boca a boca das comadres e beatas, a partir de uma ‘notícia oficial’ espalhada por adversários não necessariamente políticos. Funcionavam exatamente como hoje, principalmente nas pequenas cidades do interior. A diferença é que hoje a repercussão é instantânea e nacional e, como todo mundo se acha no direito de acreditar naquilo que lhe convém, uma mentira, por mais inacreditável que seja, torna-se verdade para um monte de gente que, por sua vez, tem uma irresistível tentação de repassá-la ao maior número possível de pessoas.

Exatamente por isso é que políticos, mentirosos natos como eu disse, têm que policiar atos e língua quando se tornam autoridades públicas. Uma coisa é o deputado subir num palanque em época de eleição e prometer que, se eleito, vai instalar uma creche naquela cidade, mesmo sabendo que isto depende do Orçamento Público e da liberação de emenda parlamentar apresentada por ele neste Orçamento… outra é o secretário de Educação informar à população que o governo vai instalar creches  em todos os municípios, sabendo que o dinheiro destinado a creches no Orçamento é insuficiente para tal promessa. No primeiro caso, ele mentiu, mas pode dizer que brigou o tempo todo com o governo para atender a promessa. No segundo, ele é um reles mentiroso, porque sabe que nunca vai cumprir o compromisso assumido.

O recém empossado governo brasileiro, em menos de um mês de atividade, tem se esmerado em mentir descaradamente, levando para Brasília o mesmo sistema enganoso via fake news usado antes e durante a campanha eleitoral. Na verdade, eu acho que isto não é ruim para a democracia brasileira: quanto mais cedo os 57% de eleitores brasileiros que deram a vitória ao capitão perceberem como foram idiotas votando pela “mudança”, pelo “fim da corrupção”, pela “destruição” do PT, mais cedo a democracia ficará livre do fascismo e do fanatismo religioso que os novos governantes pregam.

Mas é constrangedor ver a cara de pau de alguns membros destacados deste governo ao fazer comparações idiotas para justificar uma ação ou decreto assinado pelo capitão, ou ao citar estatísticas falsas, facilmente verificáveis numa ligeira consulta ao Google, para exemplificar como Sua Excelência está correta em tomar aquela decisão ou implementar aquela promessa eleitoral.

É o caso recente da esdrúxula comparação feita pelo ‘onix potente’ ministro da Casa Civil, em relação ao decreto presidencial flexibilizando a posse de armas no Brasil. Questionado sobre a possibilidade de aumentar o número de acidentes domésticos envolvendo menores e armamentos, Lorenzoni descreveu o risco de que uma criança possa “colocar a mão dentro do liquidificador e perder o dedo. Então nós vamos proibir os liquidificadores? Não. É uma questão de educação, é uma questão de orientação. No caso da arma, é a mesma coisa. A gente colocou isso (a exigência de cofre) para mais uma vez alertar e proteger as crianças e os adolescentes”, afirmou o ministro.

Tudo bem! Relevemos a comparação imbecil… pode ter sido um chiste do ministro, apesar de sua conhecida fama de deputado emburrado e antipático. Mas, o que dizer de entrevistas suas em que ele indica dados falsos e inverte pesquisas públicas para corroborar a sua tese de que ‘mais armas não significam mais mortes’?

À GloboNews, no dia 15 de janeiro de 2019, ele foi bem explícito: “Na Inglaterra, quando ela desfez a possibilidade do cidadão ter alguma arma em casa, os assaltos a residências com pessoas dentro de casa aumentaram em 40%”. Esta afirmação é uma rematada mentira: o número de assaltos à residências (burglary) caiu 72% entre 1995 e 2017, de acordo com pesquisa feita na Inglaterra e País de Gales, pelo Escritório Nacional de Estatísticas; já a EuroStat, da União Europeia, indica que, entre 1998 e 2016, o número de invasões feitas para subtrair objetos e bens de casas caiu 56,5%: de 473 mil para 205 mil.

Nesta mesma entrevista, Lorenzoni pontificou: “Toda experiência da humanidade mostra, sem nenhuma falha que negue essa evidência, que quanto mais armada a população, menor a violência”, outra deslavada mentira! Estudo do Ipea feito em 2012 concluiu que a diminuição da quantidade de armas em circulação também diminui o número de homicídios. Usando dados de São Paulo entre os anos de 2001 e 2007, os pesquisadores mostraram que a vigência do Estatuto do Desarmamento, desde 2003, contribuiu para uma redução de 60,1% no número de homicídios no Estado.

Daí, surge a pergunta: por que um ministro de Estado se sujeita a ser imediata e irrefutavelmente desmentido em público? Porque está acostumado a seus eleitores, que nunca cobraram as promessas feitas nas campanhas e o elegeram sucessivamente? Porque acha que a população brasileira tem memória curta e nunca vai se lembrar do que ele disse meses ou anos antes? Porque se der chabu é muito fácil dizer que foi mal interpretado, que a Imprensa mentiu, que o petismo comunista o persegue?

Na verdade, todas estas desculpas fazem parte do manual político clássico, mas há um motivo mais forte que este: Ônix Lorenzoni, deputado gaúcho por 04 mandatos, sempre teve suas campanhas eleitorais bancadas, em parte, pelo setor de armas, que é bastante forte no Rio Grande do Sul. Como contrapartida, claro, batalhou muito pela aprovação do decreto armamentista do capitão…! Uma mão lava a outra, não é mesmo? Ou um tiro leva a outro…? E quanto mais tiros, melhor! Aliás, a Venezuela fica logo ali…! (fim)

 

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