É mentira, pô…! E daí? (I/II)

Todo político mente. Faz parte da natureza de quem quer ser político, faltar com a verdade ou omiti-la, pois a política, em sua essência, é a arte do convencimento em benefício de alguém, de seu grupo ou de si próprio. Há exceções, raríssimas, claro… há políticos que pensam no país, como um todo, mas a maioria deles não permanece na política por muito tempo: ou se decepciona e sai ou é expelido pelo partido ou pelo voto. Porque a recíproca também é verdadeira: uma boa parte da população prefere ouvir e acreditar em mentiras, seja porque é mais fácil viver com ilusões ou com a esperança de um salvador da pátria ou com a promessa do néctar dos deuses após a morte.

Eu me interessei por política na minha adolescência. Já disse algumas coisas sobre isto aqui. Meu pai gostava da política, mas detestava políticos. A relação dele com este mundo não era muito positiva. Ele se formou médico aos 24 anos e voltou para a cidade natal, no sul de Minas, onde o pai era um dos próceres conservadores (um coronel do café). Exerceu clínica geral durante uns 08 anos, sem deixar de viver como jovem: tinha seu consultório e atendia fazendeiros e peões, a qualquer hora, mas gostava de correr em sua baratinha pelas estradas de terra da região e de jogar nos cassinos de São Lourenço ou Caxambu nos finais de semana sem emergências.

Cassino de São Lourenço,                                      sul de Minas Gerais

Aquietou um pouco quando começou a namorar minha mãe, uma jovem 09 anos mais nova, de nariz empinado e que não aceitava tradições e imposições da mãe.  Daí, foi convidado para fazer um curso sobre hanseníase (lepra) em Belo Horizonte. Foi, fez e foi contratado pelo governo federal para ser médico sanitarista. Tinha sido aprovado em 2º lugar no curso e podia optar por trabalhar num leprosário de São Paulo, mas preferiu ir para o Piauí.

Para desespero da família de minha mãe, eles se casaram em duas semanas, viajaram para o Rio e se mandaram num Ita para Fortaleza e, num jipe, para Parnaíba, Piauí, onde ficaram dois anos e onde nasceu meu irmão.  Daí, foram para Manaus, Amazonas, para Goiânia, Jaraguá e Itumbiara, Goiás, para Bambuí, MG, onde nasci, e para Timburi, SP.  Com a mudança política – Getúlio foi eleito presidente – meu avô convenceu meu pai a voltar para a cidade natal para dirigir o hospital local, mantido pelo governo federal.

Colônia do Carpina,
                  em Parnaíba, Piauí.

Naquela época, década de 50, havia uma polarização política entre duas forças, ambas conservadoras: os cafeicultores ligados aos pecuaristas (São Paulo e Minas Gerais) e os outros, que estavam cansados da política nacional do café com leite, e que disputavam o mesmo arcabouço social, o poder econômico-financeiro que sempre mandou no país.

Getúlio, um estancieiro e político gaúcho, tomou o poder em 1930 e, após governar como ditador por 15 anos e ser derrubado, voltou à ativa e criou dois partidos como apoio às suas pretensões presidenciais: o PSD, conservador, e o PTB, representando a nova classe operária que surgira no país após seus 15 anos de Estado Novo, partidos que foram extintos na ditadura dos militares. Ulisses e Tancredo eram expoentes do conservadorismo getulista, Lacerda, Sarney e Magalhães Pinto  eram expoentes do conservadorismo anti getulista, Jango, Brizola e Arraes eram expoentes do trabalhismo.

Numa cidade pequena como Brazópolis, em que o povão não tinha qualquer poder, este era exercido ou pelo PSD ou pela UDN e meu pai, que não queria ser político, mas, como médico da cidade, tinha que ter uma posição política, filiou-se ao PTB, que passou a ter dois membros ilustres, ele e o coletor da cidade, e alguns medrosos filiados, operários das máquinas de café, comerciários, vaqueiros das fazendas e professores das escolas públicas, sem quaisquer pretensões eleitorais numa pequena cidade do interior.

Antes disso, em sua peregrinação sanitária, meu pai passou por dissabores políticos em Goiás. Estava designado pelo governo federal para dirigir o leprosário de Jaraguá: mudou-se para lá, com minha mãe e meu irmão com menos de 04 anos, mas houve um revertério na política estadual e ele foi deslocado para Itumbiara, em Goiás também, mas no sul do Estado. Politicamente, não foi suficiente… e, poucos dias antes de eu nascer, ele foi “convidado a não permanecer em Goiás”  e transferido para Bambuí, Minas. Os Ludovicos, família mandante do Estado, tinha sido derrotada nas urnas e quem tinha sido nomeado por um Ludovico tinha que ser expelido… independentemente das qualidades profissionais ou crenças políticas (a ‘despetização’ promovida pelo Ônix no governo Temer (???) mostra que a política brasileira continua tão comprometidamente estúpida quanto era há 60 anos atrás…!)

Quando se fixou em Brazópolis, meu pai não se envolveu com a política, apesar da filiação ao PTB. Mas seu pai era prócer do PSD, que disputava o poder municipal com a UDN. E o líder da UDN, Zequinha Gomes, um filho de Maria que achava que Getúlio era o diabo em forma de gente, não tinha limites morais em sua disputa política: meu pai era filho de seu inimigo e, portanto, era seu inimigo!

O prefeito da cidade era de seu partido e o único jornal local era da Prefeitura. Por inspiração de Zequinha Gomes, começaram a aparecer insinuações no jornal de possíveis atos ilícitos de meu pai, o médico da cidade: cobrando consultas quando atendia pessoas pelo hospital, cobrando pelos remédios entregues pelo posto, dando preferência a clientes ricos em detrimento de peões das fazendas e por aí afora.

A campanha difamatória não teve efeito prático: mais do que ser filho de Juca Brito, um coronel da região, meu pai era um médico respeitado, tanto por fazendeiros quanto por peões. Zequinha não gostou e foi mais longe: escreveu um texto em que acusou meu pai de abusar das mulheres que iam a seu consultório. O editor do jornal era meu padrinho de crisma e avisou meu pai,  antes de publicar a acusação. E meu pai avisou minha mãe. Antes da matéria sair, minha mãe foi à missa das 09 horas de domingo – que a classe alta da cidade participava – e, no conversê da praça após a missa, estapeou Zequinha Gomes na frente de todo mundo, dizendo alto e bom som: ‘se falar qualquer mentira mais de meu marido, eu acabo com você!’ (o jornal não deu a ‘fake news!’). Zequinha Gomes ficou desmoralizado publicamente, mas meus pais não tiveram mais condições de ficar em Brazópolis e se mudaram para Belo Horizonte. Depois de anos longe da terra e da família, a lonjura agora seria definitiva. (continua)

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