Democracia? (I/III)

A palavra vem do grego demokratia, palavra composta por demos, povo, e kratos, poder, ou seja poder do povo, governo do povo… É verdade que, desde o berço, este ‘governo do povo’ é relativo: na Atenas antiga, onde este sistema de governo foi inventado, nem todo o povo tinha voz na Eclésia. Mulheres, estrangeiros, escravos e crianças não participavam das decisões públicas da cidade, restrições que, dependendo do país, podem ser maiores ou menores até hoje, mais ou menos 2.500 anos depois que ela foi instituída em Atenas.

Nos tempos atuais, e em termos simples, democracia é um governo constituído por três pilares básicos: há um Executivo e um Legislativo eleitos pela ‘maioria da população’ e um Judiciário aprovado em concursos públicos, que exercem a democracia, ou seja, o governo do povo. Ah! nas monarquias constitucionais há um rei ou rainha também… que não manda nada, mas que o povo adora, pelo fausto, pela riqueza, pelas tradições, pela fantasia que representam, para os súditos e para o povo do resto do mundo, particularmente os que vivem em países politicamente subdesenvolvidos como o Brasil.

Que povo é este? A pergunta é válida porque num país em desenvolvimento como o Brasil, povo é uma palavra meio abstrata, muito usada para encher a boca de políticos e autoridades na hora de mostrar qual o objetivo que eles têm na vida: governar, legislar e julgar ‘para o povo, pelo povo e com o povo!’  (pausa para rir ou, quem sabe?, chorar!).

O futuro presidente, por exemplo, foi eleito com 57 milhões de votos num universo de 143,7 milhões de brasileiros aptos a votar… Ou seja: 40% dos votantes votou nele, mas 60%  não, porque anularam o voto, porque votaram em branco ou porque foram proibidos pelo TSE (não se cadastraram biometricamente). Pior:  ele foi democraticamente eleito por apenas 27% dos 210 milhões de brasileiros.

Se a gente acrescentar a isto que conscientização política é um conceito mais abstrato ainda em se tratando da população brasileira, a gente vai ter que concordar que a nossa democracia tem contornos limitados, isto é, ela é o governo de uma determinada parcela da população, aquela que detém o poder econômico, acrescida daquela parcela que tem um pouco mais de conhecimento e que, por isto, fazem uso deste poder e conhecimento para tornar o governo uma ferramenta que atenda primordial e principalmente, seus próprios interesses.

De qualquer modo, ainda vivemos numa democracia, vez que eleições se deram em outubro, conforme determina nossa ainda vigente Constituição. E eleição é sempre uma festa, mesmo que boa parte da população considere o ato de votar uma chatice, uma obrigação estúpida, um empata ph..* dominical, que só serve para botar ‘gente safada em Brasília…’

Ao contrário, eu acho eleição um ato essencial para a sobrevivência e consolidação de uma democracia e, exatamente pelo ainda extenso analfabetismo político da população brasileira, acredito que a obrigatoriedade do voto continua necessária. No dia em que tivermos um expressivo número de cidadãos imbuídos de espírito público, com disposição  de se candidatem a cargos ou funções públicas para legislarem, julgarem e governarem em benefício exclusivo do povo (sem precisar encher a boca para falar povo), poderemos desobrigar os cidadãos do ato de votar.

Mesmo porque, no fundo, votar é um ato de vontade do indivíduo. ‘Eu vou votar em Fulano porque ele é amigo do irmão do meu concunhado…’ ou ‘Eu vou votar em Beltrano porque ele prometeu asfaltar a rua onde eu moro…’ ou ‘Eu vou voltar em Sicrana porque ela é gostosa pra c….e*’ E, claro, tem muita gente que vota em um ou outro porque as ideias e propostas que ele apresenta aos eleitores são ideologicamente ou politicamente convergentes com a maneira de pensar e agir daquele indivíduo.

E isto vale para qualquer tipo de eleição, de condomínios, de clubes, de associações e de grêmios escolares ou acadêmicos. Eu mesmo, em mais de 50 anos de vida política, participei de algumas eleições, no grupo escolar, para eleger o ‘capitão’ da turma no 4° ano (contra a minha vontade), na faculdade, para eleger a direção do Diretório Acadêmico da FAFICH, na vida profissional, para eleger a direção da associação de servidores da empresa estatal onde trabalhava, e na vida de aposentado, para eleger a direção da associação de produtores do núcleo rural onde moro. Só para constar: minhas chapas foram eleitas em todas.

Na última eleição para esta associação da minha região, eu não fui candidato, mas criei e produzi a campanha da chapa vencedora, com o tema ‘Não é hora de mudar’. E me senti particularmente vencedor por uma razão muito pessoal: o jogo publicitário, que ainda tem grande influência sobre os eleitores, foi vencido por mim, um sobrevivente da velha guarda, contra um grupo jovem, que transformou as redes sociais no grande propulsor de candidaturas, no Brasil e em associações, chamadas renovadoras que, como demonstram as últimas revelações sobre o presidente eleito e sua prole, não passam de fake news. No Brasil, elas funcionaram… na minha associação, felizmente não!

 

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