Allons enfants de la Patrie (I/II)

Há uma frase de Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, um dos heróis brasileiros, que se tornou emblemática, com boa parte dos democratas crucificando-o por isto: ‘O brasileiro não sabe votar’. Foi dita nos anos 70, ao ser questionado quando a ditadura militar suspendeu eleições diretas para cargos do Executivo. Em 2016, a então presidente do STF, ministra Carmem Lúcia disse praticamente a mesma coisa: ‘o voto precisa continuar obrigatório até que os brasileiros saibam escolher seus representantes’.

As frases completas ditas pelos dois não se limitam ao ato de votar, mas a grande mídia em sua ânsia de  obter uma chamativa manchete e confirmar o que ela própria pensa do povo brasileiro, reduziu o verdadeiro sentido da mensagem destas duas personalidades, encaixando-as no perfil ditado pelo editor-chefe e apresentador William Bonner, para o telespectador-médio  do Jornal Nacional: numa visita de professores da USP a uma reunião de pauta do JN, em 2005, Bonner disse que uma pesquisa da Globo identificou este telespectador como um ‘sujeito preguiçoso, burro e que adora ficar no sofá assistindo TV, comendo rosquinhas e bebendo cerveja, exatamente o perfil de Homer Simpson, famoso personagem dos quadrinhos americanos. Quem assiste ou já assistiu Os Simpsons, sabe que o pai Homer é um alienado absoluto.

Só que as frases completas de Pelé e Carmen Lúcia iam muito além disso… Pelé disse que “O povo brasileiro não está preparado para votar, por falta de prática e de  educação. Vota mais por amizade”. E Carmen Lúcia disse: “Sou favorável ao voto obrigatório até que a educação no Brasil garanta que todo mundo tenha suficiente informação, para poder se posicionar com liberdade absoluta”. Em ambas as frases, uma palavra-chave: educação!

É óbvio que a qualidade da maioria de nossos representantes políticos, de vereador a presidente da República, dá margem à afirmação da incompetência do povo brasileiro por escolhê-los. Mas, se observarmos boa parte de juízes, procuradores, promotores públicos e funcionários do alto escalão dos governos, que têm curso superior e fazem concurso público para ocupar tais cargos, seremos obrigados a reconhecer que não são só os eleitores os incompetentes.

Na verdade, nosso ensino sempre foi e ainda é incapaz de educar nosso povo para exercer sua cidadania com conhecimento,  dignidade e liberdade. Quando os membros da mais alta Corte do país se comportam como torcedores de futebol é sinal que nosso destino de continuar no terceiro mundo é inevitável! Infelizmente!

Em 518 anos de história, o Brasil já passou por várias maneiras de educar sua população, e todas, com honrosas exceções, tinham viés formalista, inadequado à realidade brasileira e, principalmente, elitista. A elite brasileira nunca teve interesse em ensinar sua população a pensar, a tomar decisões próprias, a discutir suas opiniões, a contestar leis e posturas que só beneficiavam os mesmos de sempre.

No Brasil Colônia, o ensino foi entregue basicamente aos jesuítas, mediante acordo com a Coroa Portuguesa. No início, só os filhos dos colonos tinham direito à educação, que costumavam completar na Universidade de Coimbra, fundada em 1290 e viva até hoje. Depois, a evangelização passou a vigorar, mas com o sentido de cristianizar as raças inferiores do país, não de formar uma nova nação, como nos Estados Unidos. São Paulo, nossa maior metrópole, nasceu em 1554, por causa disto.

Mas foi preciso D.João VI, fugindo das invasões napoleônicas na Europa, chegar ao Brasil para que a educação do país recebesse alguma atenção maior do Estado: além das academias militares, D.João criou a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a Escola de Medicina da Bahia e a Escola de Medicina do Rio de Janeiro (está aí uma boa pergunta: por que será que D.João VI é apresentado, nos livros de história do Brasil, nos filmes e em séries, como um fanfarrão, cujo único fato digno de nota era se empanturrar de coxa de frango?)

Eu convivi com algumas chamadas revoluções do ensino no Brasil. Na minha época, existia o grupo escolar, dos 07 aos 10 anos, o colegial, dos 11 aos 14 anos, e o científico ou clássico, dos 15 aoa 17, quando a gente se candidatava à faculdade. Eu passei pelo Grupo Escolar Olegário Maciel, passei pelo Colégio Estadual Central e da Serra, não passei no ‘vestibular’ de Medicina, mas, no ano seguinte, passei no de Jornalismo (naquela época, havia provas separadas para cada curso). Grupo, colégio e faculdade públicos, diga-se de passagem! Onde o ensino era de qualidade, com um professorado dedicado e vocacionado para a educação. Mais até do que os colégios privados, geralmente mantidos por ordens religiosas.

Daí, veio uma reforma e mudou isto: acabou grupo escolar e ginásio e passou a existir 1° e 2° graus, o primeiro com 08 anos de estudo e o segundo com 03, preparando a juventude para enfrentar…            o vestibular, não a vida! Paralelamente, o ensino público passou a ser degradado em detrimento do privado. Professores mal pagos, estabelecimentos fisicamente deteriorados, nem sempre servidos por transporte público adequado. A classe média que, na minha época, brigava para colocar os filhos num Colégio Estadual ou Militar, passou a pagar caro pelos particulares. E as universidades continuaram restritas, praticamente proibidas ao povão. (continua)

 

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