Alerta inesperado

Brasília é uma cidade atípica. Planejada e construída pelo sonho de um visionário, Juscelino, que gastou mundos e fundos para implantá-la no centro do Brasil, seu Plano Piloto, praticamente, não tem esquinas, como todas as cidades que surgiram e se desenvolveram naturalmente. E esquinas são pontos estratégicos para os camelôs, vendedores ilegais de mercadorias, muitas vezes roubadas, mas, normalmente, cópias de produtos de grife fabricados na China, que não pagam impostos, e de pedintes.

No governo do à época petista Cristóvão Buarque, numa tentativa de ‘limpar’ o centro da capital dos camelôs, principalmente aqueles que tomaram conta da plataforma superior da Rodoviária, ocupando as calçadas que iam do Conjunto Nacional até o Conic – normalmente pessoas que iam buscar produtos no Paraguai, em caravanas de ônibus fretadas com este fim, foi criado um espaço no estacionamento do Estádio Mané Garrincha, para permitir o livre comércio de suas mercadorias e bugigangas, que o povo apelidou de Feira do Paraguai.

Ainda no seu governo, foi criada uma tal de Feira dos Importados – é incrível a capacidade brasileira de criar eufemismos para irregularidades reais – que a população continua chamando de Feira do Paraguai, porque boa parte dos produtos vendidos continua sendo contrabandeada do Paraguai, apesar de ter, também,  muita coisa da China e dos países do Oriente Médio –  que, nos finais de semana, está entupida da classe média/alta brasiliense, que adora comprar produtos importados mais baratos, já que não pagam os impostos devidos. Quem frequenta a Feira, deve ter percebido que ela evoluiu comercialmente: há grupos específicos dominando as vendas de produtos específicos: os sírio-libaneses, os orientais e, claro, os brasileiros que continuam fretando ônibus para a fronteira paraguaia.

O que me impressiona é que esta massa de gente que frequenta a ‘Feira do Paraguai” é a mesma massa que dá 70% de aprovação ao candidato Bolsonaro, porque ele afirma que é diferente dos políticos tradicionais e que combaterá a corrupção com medidas duras, prendendo e arrebentando os corruptos, bem como os opositores ou mandando-os para o exílio.

Desculpem-me, eu acabei extrapolando o que eu queria dizer e volto, pois, à inexistência de esquinas em Brasília. Mesmo não as tendo, o Plano Piloto tem pontos tradicionais de pedintes e camelôs. Um deles é o cemitério central, o Campo da Esperança, onde está o túmulo de JK. Na lateral do cemitério, quase em frente a Academia da Política Militar, existe um ponto tradicional de ambulantes e, tão tradicional quanto, um pedinte que não tem pernas.

Desde que meu pai e minha filha Jordana morreram mas, principalmente, depois que passei a ter consultas mensais com meu oftalmologista,  cujo consultório fica perto, eu passo neste ponto… Ele sempre está lá! Em épocas festivas, Natal por exemplo, ele costuma estender faixas exortando à solidariedade humana, a palavra de Cristo… ganhando  seus trocados da população motorizada que aguarda a abertura do sinal.

Sua deficiência é real, ao contrário de uma outra pedinte que vivia no Guará I e que, descobriu-se, era dona de um sobrado… Este alagoano que se locomove sobre um tablado de rodas é real: ele não tem pernas… Mas tem consciência política, algo que a elite brasileira e, confesso, eu mesmo, acho que o povão miserável não tem…

Esta semana, última antes do 2º turno, tive outra consulta e, voltando para casa, passei por lá. O sinal fechado – e é um sinal demorado – sempre foi a oportunidade deles se aproximarem dos carros, vendendo ou pedindo. E ele se achegou, claro! Mas, pela primeira vez em muitos anos, ele não estendeu a mão, nem pediu…!

Disse ele, de cara: “Aproveitem! Segunda-feira que vem vai ter um monte de gente morrendo!” Eu estranhei, baixei o vidro do carro e perguntei: “Como é que é?” E ele, rindo: “É isso aí… a história se repete, cara! Estamos todos é f….os*!!! Quando Collor foi eleito, eu morava em Maceió… E vi muita gente c…ando de medo, morrendo pelos cantos…! ‘tá acontecendo de novo! Inda bem que eu já comprei meu pedaço de terra aí dentro (no cemitério)… Já tô garantido!” Tentei entender a pregação dele, mas ele só repetia: “Segunda, a coisa vai feder! Bolsonaro já ganhou, cara… Quando o povão encasqueta, não tem mais volta! Depois, se f..e*, mas aí não tem mais jeito!”

Meu primo, que dirigia o carro, deu-lhe uma nota de 05 reais, “pelo alerta”, ele agradeceu, o sinal abriu e lá fui eu embora, preocupado… Ainda bem que o túmulo de papai no Campo da Esperança tem lugar pra mim…!

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