De lagartixa e jacaré

Assim como eu mesmo, muita gente me considera um cara racional. Demais até. Que analisa e vive a vida sem ou com pouca emoção e sem partidarismos, apesar de ter partido. Eu aprendi a ser assim com um professor de Ética no Curso de Jornalismo da UFMG, onde me formei no início da década de 70. Descobri cedo que ética no Jornalismo não existiia: os donos do jornal mandavam e você, se quisesse continuar no emprego, obedecia. Ou seja: ao longo de quase 50 anos de vida profissional, eu reforcei a minha racionalidade… Trabalhei, conquistei uma posição confortável para a família e a minha aposentadoria mas, sem confrontar diretamente os donos do poder, os costumes e a convenção social, não deixei de ter uma postura pessoal e profissional, priorizando a ética como conduta de vida.

Neste sentido, me parece que há algo errado em um país que passa por uma crise sócio/econômica grave, com mais de 13 milhões de desempregados (segundo o IBGE, “falta emprego para 27,6 milhões de brasileiros”, ou seja, no torto conceito do nosso capitalismo, há uns 14 milhões de “empreendedores”, os camelôs de praças e esquinas…!) , e que um único banco particular (Itaú) tem um lucro semestral de R$12,8 bilhões…e um banco público (do Brasil) também encerrou o semestre com quase metade deste lucro, cerca de R$5,8 bilhões.  O que explica, evidentemente, porque os donos e funcionários “gestores” destes bancos, continuem apoiando candidatos à Presidência que mantenham as políticas “reformistas” desencadeadas por um presidente imposto por um golpe constitucional.

Há algo errado quando este mesmo presidente encampa a proposta de seu ministro do Planejamento e está preparando Medida Provisória que  propõe a suspensão do aumento do funcionalismo público em 2019, tendo em vista que em não se fazendo isto, o governo terá que fazer cortes bilionários, não nos ganhos astronômicos dos bancos, não na jogatina financista… mas nos programas sociais! Isto depois de a Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional revisar para baixo a estimativa do salário mínimo para 2019, de R$1.002,00 para R$998,00,  para que haja uma economia, para os cofres do Estado da ordem de R$1,21 bilhão no ano.

Há algo errado quando, ignorando estas perspectivas sombrias para o país, nossos 11 supremos juízes se reúnem administrativamente e decidem encaminhar ao Congresso – apesar dos cofres serem os mesmos, eles tem caixa separado – pedido para aumento de 16,38% dos próprios salários, elevando-os de R$33,7 para   R$39,0 mil, sabendo que se isto for aprovado, haverá aumentos em cascata para todo o Judiciário do país, o que implicará em uma expansão da folha de pagamento do Estado em algo estimado em torno de R$717,1 milhões.

Há algo errado quando, tão logo a Suprema Corte anunciou o envio do pedido ao Congresso, o Conselho Superior do Ministério Público Federal também aprovou, por unanimidade, a mesma proporção de reajuste para seus membros. Com o mesmo efeito cascata dos magistrados, representando um gasto de R$101 milhões ao orçamento previsto para o MPF, da ordem de R$4,07 bilhões em 2019. O aumento médio para um procurador será de R$4,5 mil/mês, mas para consolar os pobres mortais deste país, que terão um aumento de R$44,00/mês, afiança a nobre Procuradora Geral da República que o orçamento previsto para o MPF não exigirá mais recursos do Estado pois será remanejado, reduzindo outros gastos, certamente ‘desnecessários e dispensáveis’, apesar de terem sido gastos naturalmente em anos anteriores.

Há algo errado quando, também no rastro do STF, deputados e senadores, mesmo ‘desaparecidos’ do Congresso, às voltas com as eleições – mas recebendo seus vencimentos integralmente, penduricalhos, inclusive – começam a mobilizar as forças políticas no sentido de reforçar o orçamento próprio no mesmo nível dos juízes, “já que o Legislativo não pode ficar em patamar inferior ao Judiciário”.

Há algo errado quando, para evitar o favorecimento dos ricos e reduzir a perspectiva futura de corrupção do Estado, o STF proíbe o financiamento de campanhas eleitorais por parte das empresas, mas permite que um candidato utilize um percentual de seus recursos próprios para bancar sua campanha; ou seja,  haverá disputa igual entre um candidato da elite, com patrimônio declarado de R$425 milhões e outro, da classe média, com R$300 mil?

Há algo de muito errado quando um ministro do STJ, na primeira hora de funcionamento do plenário após a volta do recesso, nega um habeas corpus para o ex-presidente Lula, que  permitiria a ele fazer campanha à Presidência, e outro ministro, do mesmo STJ, em decisão liminar, manda libertar um deputado preso, sob o argumento de que a prisão, sem um julgamento final de sua culpa, impede seu direito constitucional de fazer campanha..

Há algo de muito errado quando o Diretor Geral da Polícia Federal dá entrevista informando que, apesar do preceito constitucional que manda o órgão cumprir uma decisão judicial, ele seguiu a determinação monocrática do Presidente do TRF-4, que mandou-o descumprir a ordem, e o mesmo Presidente do TRF-4 solta nota oficial dizendo que não mandou o Diretor Geral da PF fazer isto não… E fica tudo por isto mesmo, sem qualquer admoestação ou pedido de esclarecimentos dos órgãos superiores ou de fiscalização.

Há algo errado, enfim, quando a classe média brasileira, justamente a mais suscetível aos privilégios de alguns, que são bancados pelos impostos que ela paga,  em detrimento dela própria, que não consegue obter os mesmos privilégios, prefira protestar atrás de seus celulares, transformando adversários políticos em inimigos de morte, em vez de sair às ruas, como fez nos protestos pelo impeachment (quando a gasolina custava menos de R$3,00 e não quase R$5,00, como agora).

Definitivamente, há algo de muito errado mesmo quando índices de miserabilidade medidos por órgãos internacionais, como a mortalidade infantil e materna, que já haviam sido superados pelo Brasil, começam a retroagir aos índices de 20 anos atrás e, depois de apenas 04 anos, órgãos internacionais também apontam a possibilidade de o Brasil voltar a integrar o Mapa da Fome – países que têm mais de 5% da população ingerindo menos calorias que o recomendável… e a chamada classe dirigente do país, Executivo, Legislativo, Judiciário, não está nem aí… preocupada, apenas, em garantir cargos para parentes e apaniguados, em reeleger-se e manter seu foro especial, em manter privilégios e aumentar seus próprios salários.

“Se não têm pão, comam brioches”, é uma frase histórica atribuída a Maria Antonieta, rainha de França (que, provavelmente, não disse isto) quando estourou a Revolução Francesa, que provocou a derrubada da monarquia, a queda da Bastilha e a decapitação de nobres e ricos franceses, inclusive Maria Antonieta e Luis XVI, há mais de 200 anos. Desde então, o mundo mudou muito. Houve duas guerras “mundiais” e milhares de guerras localizadas, em que houve disputas de territórios, de ideologia e, essencialmente, de poder. O mundo continua dividido conforme determinam as nações mais poderosas, economicamente falando…
E o Brasil, que começou… repito: começou! a botar a cabeça de fora em 2002, voltou a ser uma sub nação, caminhando rapidamente para o limbo!

De novo, cabe à 71% de sua população decidir se continua sendo uma lagartixa ou quer ser um jacaré!

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