Em tempos de Copa

Eu sempre gostei de futebol. Quando meus pais se mudaram para Belo Horizonte, eu tinha 06 anos de idade. Meu pai não era homem de muitos amigos e, na mudança de uma cidade do Interior para a Capital, o amigo de fé e camarada foi um conterrâneo, Sêo Jefferson, que já morava em Beagá há algum tempo.

Ele era representante comercial e morava no Barro Preto, o bairro em que fica a sede do Cruzeiro Esporte Clube. Meus pais e eu – meu irmão mais velho tinha ficado com minha avó, para terminar o grupo escolar – quase todo fim de semana, íamos para o Barro Preto e eu ficava por lá, sábado e domingo, brincando com a turma da rua Paracatu, que estava a uns 05 quarteirões do estádio de futebol do Cruzeiro (o Mineirão não existia ainda).

Nós morávamos num hotel no centro de Beagá, onde não havia clubes recreativos, o que levou meu pai a se associar ao Cruzeiro, onde eu aprendi a nadar à força – meu pai, como quem não quer nada, me jogava no meio da piscina e ficava gritando da beira: ‘bate os braços, bate as pernas…!’ – e onde descobri a capacidade que o ser humano tem de ser cruel e  preconceituoso: eu fui operado de fimose com duas semanas de vida, ou seja, tinha o pinto diferente dos garotos que trocavam roupa no vestiário, o que era motivo de gozação de todos que percebiam isto…

Independentemente deste ‘trauma infantil’ – que durou até descobrir, na juventude,  que meu pai estava certo e a circuncisão me preservou dos riscos de uma série de doenças sexualmente transmissíveis – o fato óbvio é que me tornei cruzeirense e, ainda menino, acompanhei muitas vezes os mais velhos numa aventura inconsequente daquela época: pular os muros do estádio do Barro Preto para assistir os jogos do Cruzeiro e vibrar com os gols do grande ídolo de então, Pelau.

Naquela época, jogador de futebol não era uma profissão desejada pelos pais de classe média, que faziam de tudo para os filhos estudarem… jogar futebol era diversão para as horas de recreio. Mas eu gostava de jogar! Como eu morava no centro, ou seja, não havia campos de várzea para me divertir, ou a gente jogava na rua ou ia para o Parque Municipal, onde havia campos de futebol de salão. Acabamos formando um time, Mantiqueira Esporte Clube, cuja maior glória foi ser o grande vencedor de um Campeonato Municipal organizado pela Igreja Católica da Lagoinha, um bairro pobre de Belo Horizonte, cujo padre fazia um belo trabalho social com os jovens do local, utilizando o futebol de salão como chamariz deste trabalho.

Mais tarde, como já relatei aqui (Jornada de um míope para a escuridão), a miopia me fez abandonar a bola, tornando-me, apenas, um torcedor de futebol de campo (Freud deve explicar porque não gosto de futsal hoje), ainda cruzeirense, mas que, com o tempo, perdeu aquele fanatismo juvenil: eu vibro com um jogo taticamente bem arquitetado, com dribles bem feitos, com passes longos e certeiros, com gols artísticos ou defesas plásticas, o futebol que, me parece, foi apresentado pelo Brasil em 1970, e derrotado definitivamente em 1982.

Eu continuo gostando de futebol hoje, mas o jogo de interesses econômicos e políticos me incomoda muito. Nada a ver com a corrupção profissional decuplicada por João Havelange quando presidente da FIFA, proporcional à importância que ele deu ao futebol em todo o mundo (há mais países filiados à FIFA hoje do que à ONU). Isto ultrapassa o incômodo mas, com as ações que vêm sendo desenvolvidas pela justiça americana, não vai demorar muito para até a Globo pagar os malfeitos.

Como apreciador do futebol, me incomoda ver os craques de hoje ditando moda para jovens que, muitas vezes, não têm o que comer… E me incomoda ver estes craques tentando ser imitados, não pelas jogadas que fazem em campo, mas pela cor do cabelo que usam num determinado momento, pelas tatuagens que fazem pelo corpo ou pela imagem socialmente irresponsável que passam… Também me incomoda ver clubes recolhendo dezenas de garotos de favelas e periferias, dando-lhes casa e comida e algum tempo de estudo, selecionando meia dúzia de promessas a serem negociadas como mercadorias e mandando o resto se virar… E me incomoda ver o tempo que os meios de comunicação dedicam ao futebol, em detrimento de tantos outros esportes, mais saudáveis para o corpo e o espírito humanos (por mais adoráveis que sejam as propagandas a respeito)…

E me incomoda, por fim, a capa de proteção que estes meios de comunicação, especialmente em países de precário desenvolvimento cultural, oferecem a tudo de sujo que envolve o futebol e, por similaridade, a outros esportes, seja a corrupção deslavada que existe em qualquer torneio nacional ou internacional, seja até mesmo nas denúncias de abuso sexual da garotada acolhida pelos clubes esportivos (a última foi na Argentina, no Independientes, tradicional clube de Buenos Aires, em abril, logo ‘enterrada’ pela imprensa, no Brasil, pelas acusações ao professor de ginástica olímpica da seleção, também já jogada para debaixo do tapete, vez que a Copa começou).

Apesar desta malquerença com aquilo em que se transformou o futebol, Copa do Mundo é Copa do Mundo e colocar a emoção a frente da razão nesta época é uma das melhores coisas deste mundo.

A Copa de 58 eu ouvi numa radiola que tinha lá em casa, ao lado de meu pai… Da Copa de 62 eu só me lembro do jogo contra a Espanha, que a gente ouviu só os gols, não me recordo como, porque nós estávamos disputando uma partida de futebol de salão no Parque Municipal. As demais, todas, eu assisti pela tevê, inclusive a de 2014, no Brasil, que eu não tive coragem de ir ao campo – a muvuca de um estádio aliada à minha já evidente deficiência visual não me entusiasmaram a ir para o Mané Garrincha.

Quatro anos depois, estou em frente à tevê de novo, torcendo para o Brasil chegar  noutra final e conquistar o hexa. No sofá ao lado, minha mãe, que é ‘pé frio’, e que fala o tempo todo: “Ih! Porque o Neymar cai tanto?”, “Que juiz cego…! Isto não foi falta?”, “O gol não fica lá do outro lado? Porque eles ficam jogando bola de um lado pro outro no nosso lado?” “Olha lá, o Neymar caiu de novo!” “Gooollll do Brasil! Quem marcou? Paulinho??? Isto é nome de jogador de futebol?”

O pé frio’ esquentou e o Brasil ganhou. Que venha o México, para angústia da minha caçula e seu companheiro mexicano, que moram lá.  No dia anterior, domingo, irão comemorar a vitória do Lula mexicano, López Obrador, nas eleições presidenciais, mas segunda serão inapelavelmente derrotados pelo Brasil… sil… sil! (Como eu disse, Copa do Mundo é Copa do Mundo!)

 

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