De ‘ortoridades” e autoridades… (II)

Estas lembranças têm a ver com algumas notícias que leio atualmente. Ortoridade no meu tempo era o “guarda da esquina”, de que Pedro Aleixo tinha tanto receio na época da ditadura. Para quem não é desse tempo, quando foi editado o AI-5, uma aberração jurídica que deu plenos poderes aos militares e “guardas das esquinas” para fazer o que quisessem, Pedro Aleixo era vice-presidente do general de plantão, Costa e Silva.

Na reunião do Conselho de Segurança Nacional, em 1968, para impor a edição do Ato, num misto de puxa-saquismo e receio pela violência que se estava autorizando, o vice, na verdade um “enfeite democrático” da ditadura, interpelado pelo ministro da Justiça se duvidava “das mãos honradas do presidente Costa e Silva, que será o único juiz da aplicação do ato”, ponderou: “Das mãos honradas do presidente Costa e Silva, jamais! Desconfio é do guarda da esquina!”        

                Nos tempos que hoje modorram, “ortoridades” são autoridades mesmo, altos funcionários do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, eleitos, estudados, concursados, conhecedores de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos internos e que tais, os quais interpretam e manipulam de acordo com os seus respectivos entendimento e convicção, sempre respaldados pela grande imprensa, desde que atendam seus interesses (dela, imprensa)…

Vivemos, hoje, a armadilha da democracia burocrática: basta assistir meia hora de um julgamento no Supremo Tribunal Federal para perceber que a hermenêutica é uma babaquice! (não é atoa que a origem da palavra é a mesma de hermético, o deus grego Hermes, que traduzia tudo que a mente humana não compreendesse… ou seja, assim como Hermes, só os juízes conseguem traduzir o que querem dizer). Nesta linha, dependendo do ponto de vista que o supremo juiz quer defender, ele encontra 10, 20, 100 pareceres anteriores de “eminentes” colegas ou “eméritos” juristas, nacionais ou estrangeiros, a corroborarem o ponto de vista defendido por ele. E tem até uma egrégia ministra que, em nome de uma tal ‘colegialiadade’, vota contra suas próprias convicções!

Se os membros da mais alta corte de Justiça agem assim, o que esperar dos  integrantes dos demais poderes constituídos, numa escala de poder que vai de congressistas proponentes de legislação, por eles próprios aprovada, juízes de tantas varas, procuradores de tantos ramos, executivos estatais, funcionários públicos dificilmente demissíveis,  passando por burocratas detentores de carimbos, até chegar nos guardas das esquinas…

Não é atoa que um procurador elevado à quintessência da fama global se sinta poderoso o suficiente para pressionar a Suprema Corte, comunicando à imensa massa evangélica que o acompanha pelas redes sociais que fará jejum cívico, pela glória de Deus Todo Poderoso e do país, rezando o dia inteiro para que os juízes supremos sejam iluminados pela chama divina e punam a figura central de seu power point, o Dom Corleone da corrupção nacional…! (Deus ouviu-o e os juízes negaram o habeas corpus, alegando procedimentos jurídicos, não divinos…!)

Não é atoa que um juiz de chão, incensado pelos holofotes nacionais e norte-americanos (por que será que ele só recebe homenagens e faz palestras em instituições americanas, alguém pode me explicar?) grampeia e divulga (via Globo, claro!) conversas constitucionalmente proibidas da presidenta da República e não é punido pelo guardião da Constituição, exatamente o Supremo Tribunal Federal?

Não é atoa que a toda poderosa Receita Federal obrigue você a declarar inscrição de imóvel em cartório, RENAVAM do seu carro e um tal de CARF (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), do governo federal, perdoa multa , por sonegação de imposto, do banco Itaú, no valor de R$20 bilhões, nem que um processo de sonegação contra as Organizações Globo fosse “desaparecido” por uma funcionária da Receita, devidamente liberada de uma possível condenação pelo eminente ministro Gilmar Mendes…

Itaú

Não é atoa que o sargento da PM que comanda a viatura policial que faz ronda na região que moro, chega para o presidente da associação e diz que a casa que foi cedida para a Polícia Militar, como ‘ponto de repouso’ dos policiais, precisa ter mais proteção e conforto, tipo grades nas janelas, internet e colchões –d33… E a Associação, em nome da comunidade, fornece, claro…! Já que, pelo menos, algum tempo do dia ou da noite, os inevitáveis meliantes irão perceber a presença da viatura policial na região…!

Viatura

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