Lula, também uma desculpa! (II)

– Atualmente… não! Mas não é sobre isto que eu vou conversar com você. Quando é que você está pretendendo ir p’ra sua praia? Ela se voltou para mim, deu um arranco no corpo e sentou-se no parapeito, com as pernas voltadas para os meus olhos. É uma profissional, sem dúvida nenhuma. E sorriu:

– Isto é um convite? Não… estou brincando! Eu combinei com os patrões que tiraria férias em julho… quero ir a Miami comprar algumas coisas p’ra minha casa da praia e um dos meus netos vai me acompanhar. Por enquanto… Na volta, eu seleciono minha substituta e me aposento. E vou de vez…!

– Sem querer ser enxerido e já sendo: você tem aposentadoria do INSS? E vai conseguir viver com uns 04 mil reais/mês?

– Eu já tenho aposentadoria do INSS: 30 anos de trabalho como ‘costureira’, recepcionista de boate, caixa de clube, gerente de night club… tudo comprovado com carteira assinada. E tenho previdência privada, paga religiosamente durante muitos anos. Em Beagá ainda, eu era “amiga” de um deputado que virou ministro da Previdência, e me ensinou o caminho das pedras. Esta parte não me preocupa. O que me incomoda é a situação do país neste momento… Meu neto, por exemplo, foi a um protesto de alunos da UnB lá na Esplanada porque a Universidade está sem dinheiro… Daí, eu escuto, dia sim, dia não, que o país acaba se não houver reforma da Previdência… Mas, eu dependo da Previdência para parar de trabalhar… Então, continuo trabalhando para que a reforma seja feita e meus netos não sejam prejudicados? Ou me aposento  e seja o que os deuses quiserem ou, quem sabe?,  porque vamos ter outro Lulalá?

– Eu não tenho as respostas, Dezinha… Eu também tenho aposentadoria pelo INSS, que é ridícula para quem trabalhou desde os 14  e contribuiu desde os 17 anos de idade, e tenho uma aposentadoria complementar, paga por um instituto de previdência privada que eu ajudei a criar, que suplementa muito pouco, por problemas específicos, a aposentadoria oficial. Mas, até onde eu sei, a Constituição brasileira não permite a regressão, ou seja, um direito adquirido, como a sua aposentadoria, não pode ser alterado… qualquer modificação só valerá para os que ainda não se aposentaram.

– Você realmente acredita nisto?

– Atualmente, também não! Não vivemos numa ditadura militar, mas num regime de exceção judicial. Por enquanto, ninguém é levado para porões e torturado até não aguentar as dores e entregar até a mãe, mas é preso indefinidamente até delatar quem interessa para procuradores, policiais e juízes de chão… Vou te dizer uma coisa que, com a vida difícil que você teve, talvez não concorde, mas liberdade é uma coisa tão importante quanto a vida. Se eu não puder falar ou escrever o que eu penso, eu estarei morto…

– Eu sempre fui prisioneira da vida que não escolhi… que determinaram para mim! Meu pai, sêo Tufic, a minha quase futura sogra, o bom velhote que me ensinou a gerenciar p…s”… Talvez, eu consiga entender e lutar por esta liberdade que você fala quando estiver na minha casinha de praia no sul da minha Bahia, mas, do jeito que o Brasil está agora, será que eu consigo ir e viver em paz lá?

– Eu conheço gente que se casou em busca de paz… e encontrou a paz desejada por uns 30 anos. E cansou. O ser humano tem destas coisas: quer viver em paz, mas para viver em paz tem que conviver com a rotina, com a mesmice… e isto cansa! Daí, passa a buscar agitação, adrenalina, alguma coisa hoje que não seja a mesma coisa de ontem! Acha que descobre o que procura, se entrega ao novo ritmo de vida, fica feliz por uns tempos e de repente, entra na rotina de novo, no hoje igual ao ontem igual ao anteontem igual ao trasanteontem…   Alguns passam a pular de galho em galho, outros se acomodam… mas ambos acabam se tornando amargos, infelizes, descrentes da vida.

Por enquanto você, Dezinha, vive a vida agitada, pulsante… que os outros escolheram para você. E que, pensa um pouco, é uma rotina há anos para você… Quantos desembargadores bêbados você já teve que levar para um canto? Quantas meninas grávidas você teve que cuidar e dispensar depois? Quantos casais jovens você tentou convencer que a solução não estava aqui no clube? A paz de sua casa de praia pela qual você tanto anseia também significará uma rotina… Mas, boa ou ruim, você própria se adaptou à vida que você vive hoje.. E, agora, tem a chance, depois de 30, 40 anos, de ser você mesma, tomar novo rumo e escolher a vida que você quis ter há muitos e muitos anos… Por quê não tentar? Tenho certeza que, a esta altura, a paz, com ou sem amor, lhe fará muito bem.

– Obrigado pelo estímulo, meu estudante…!

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