Balzaquianas

Minha afilhada Nana fez aniversário dia 28. Hoje, neste ano da graça de 2018, ela faz festa para comemorar 30 anos. Minha caçula também, mas em agosto. São duas mulheres que atingem uma idade  que, na minha época de jovem, com a testosterona em seu mais alto nível, a gente chamava de balzaquianas, musas inatingíveis, mas sonhadas em nossas aventuras noturnas solitárias

Honorè de Balzac foi um escritor francês, considerado o pai do realismo moderno na literatura mundial, que publicou La Femme de trente ans  em 1842. Como a maioria dos romances daquela época, é uma tragédia, na qual a mocinha, mesmo casada, se apaixona por outro, o outro morre quando se esconde para não ser flagrado pelo marido e ela se refugia num castelo; a tragédia vai mais longe ainda, envolvendo aventuras rocambolescas e os filhos, mas me interessa aqui uma passagem do romance, quando Balzac escreve: “Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis para um rapaz; e nada mais natural, mais fortemente urdido e mais bem pré-estabelecido que os laços profundos, de que a sociedade nos oferece tantos exemplos, entre uma mulher como a marquesa (de 30 anos) e um rapaz como Vandenesse (mais novo)…”

                É óbvio que Balzac foi ultrapassado pelo tempo… Balzaquianas, hoje, são as mulheres de 50 anos que, depois de ter e criar filhos, se encantam por homens mais novos, assim como (mantendo a tradição) homens mais novos se encantam pelas mulheres de 50 anos, com uma diferença significativa em relação aos meus tempos de jovem: as mulheres, hoje, estão bem mais libertas e não se sentem obrigadas a prestar contas a uma sociedade ainda machista. Ainda bem! Por que se há alguma coisa que mata a liberdade de ser de alguém é a necessidade de justificar suas atitudes e sentimentos à sociedade ou à própria família..

Independentemente do fato de Nana fazer 30 anos, ‘balzaquiando-se’, a realidade prática é que ela é minha afilhada e, como padrinho, eu queria lhe dar um presente significativo… (eu já escrevi, em textos anteriores, que sou um padrinho relapso, provável razão para que, em 70 anos de vida, eu só tenha 03 afilhadas).

Confesso que procurei presentes para uma mulher de 30 em todos os sites possíveis… Nenhum indica presentes que um padrinho poderia dar a uma afilhada (a Internet é ótima, mas não é infalível…!). Já nas lojas por onde andei, as sugestões foram as mais estapafúrdias possíveis, sempre acompanhadas  de um sorriso cúmplice ou irônico – como se eu quisesse, aos 70, conquistar uma mulher de 30 anos…! Bem que eu gostaria mas, honestamente, não tenho mais pique para isto…!

Aí, me lembrei que em 1988 eu tinha 40 anos, havia me casado pela segunda vez, com uma tia de Nana, e que estava esperando minha terceira filha. Ou seja, 1988 foi um ano muito significativo na minha vida pessoal. E no geral, foi significativo também? Puxei da memória e me lembrei de algumas coisas impactantes. E, com a ajuda do Google, pesquei alguns fatos que marcaram, no geral, o ano em que Nana nasceu.

Primeiro, os tristes ou trágicos, inevitáveis a cada ano:

  1. O assassinato de Chico Mendes – Francisco Alves Mendes Filho, de 44 anos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Acre, foi assassinado em dezembro, em Xapuri, nos confins da Amazônia, mas teve repercussão internacional. Chico Mendes defendia que uma reserva extrativista fosse operada de forma não predatória. Tornou-se um incômodo para muitos fazendeiros, que causavam terrível devastação na ecologia amazônica em nome do desenvolvimento econômico. Os assassinos foram presos e condenados, mas os fazendeiros continuam desmatando a Amazônia até hoje.
  2. A morte do velho palhaço – As mulheres de 30 anos hoje não têm ideia do valor de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, para a minha geração. Quando eu fazia o Curso de Jornalismo, a gente abominava aquele programa de auditório que avacalhava com todos os pruridos sociais que a gente tinha. A gente morria de ódio quando um pobre coitado vindo dos subúrbios cariocas se aventurava a cantar para uma plateia que urrava de rir quando a buzina do palhaço mandava o calouro de volta para sua insignificância. Só mais tarde eu entendi a importância da frase do cineasta e pintor, pai da pop art, Andy Warhol, ‘No futuro, todos terão seus quinze minutos de fama’, e como isto tinha valor para aquelas figuras patéticas que se sujeitavam às buzinadas de Chacrinha, humilhados no programa, mas tornados famosos entre seus iguais, em seu bairro, em sua cidade. O próprio Chacrinha cunhou uma frase que tem um enorme significado hoje em dia: “Quem não comunica, se trumbica!”, uma verdade absoluta em tempos internéticos, vivida diariamente nas redes sociais…

  1. Confronto e mortes em Volta Redonda – Sarney governava sob um plano econômico catastrófico para os trabalhadores. Greves pipocavam o tempo todo, pois a inflação (25% ao mês) estava descontrolada e as perdas salariais eram grandes. Em outubro, 17 dos 22 ministérios ficaram parados 26 dias por conta de uma greve de servidores. No início de novembro, os 18 mil operários de duas grandes empresas de Volta Redonda, a CSN e a FEM, entraram em greve, mas a negociação fracassou e os trabalhadores invadiram as instalações da CSN. Sarney mandou o Exército, acompanhado de um batalhão da Polícia Militar, tomar a empresa e expulsar os grevistas. Houve uma batalha desproporcional e as tropas atiraram nos trabalhadores, matando 03 e ferindo gravemente 09.
  2. As águas chegaram antes de março – Ainda era fevereiro quando um forte temporal de meia hora provocou uma série de enchentes que alagou as ruas do Rio de Janeiro, deixando 300 mortes. Em Petrópolis morreram 170 e 600 ficaram desabrigadas por conta dos desmoronamentos de morros e soterramento de barracos, tragédias anunciadas e repetidas de tempos em tempos…

Segundo, algumas alegrias ansiadas ou momentâneas, pois se perderam com o tempo:

  1. O primeiro degrau de um herói de gerações – Com seu jeitão de bom menino, Ayrton Senna levantou a taça de campeão de Fórmula 1 pela primeira vez. Pilotando uma McLaren quase imbatível, disputando ponto a ponto com outra, pilotada por Alain Prost, Senna conquistava seu primeiro título mundial de Fórmula 1. Em Suzuka, Senna se recuperou de uma péssima largada, ultrapassou todos os adversários e conquistou sua 8ª vitória na temporada. E levantou a taça. Para tristeza total, Senna, tricampeão, morreu na pista de Imola 06 anos depois…

  1. Acaba a guerra entre Irã e Iraque – Foi uma guerra ainda mais estúpida que as que continuam existindo até hoje naquela região. O Iraque, governado pelo já ditador Saddam Hussein (mas ainda não demonizado pelos países ocidentais) e o Irã, do aiatolá Khomeini (uma ameaça religiosa para Israel e seus protetores ocidentais) entraram em disputa territorial, originando uma guerra que durou 08 anos e resultou em 01 milhão de mortos. O cessar fogo aconteceu em agosto, mas a paz continua longe de toda a região até hoje.
  2. O grande ditador perde a majestade – O Chile virou uma ditadura 09 anos depois do Brasil, em 1973. E, durante 17 anos não fingiu, como nós, que o país vivia numa democracia: sua ditadura tinha uma junta militar presidida por um general, Augusto Pinochet, que não queria largar o trono, sendo responsável por 3.000 mortos ou desaparecidos, pela tortura de milhares de prisioneiros e pelo exílio de 200.000 chilenos (2% da população à época). Em 1988, num plebiscito – que a ditadura tinha certeza que iria ganhar – os chilenos disseram não à mais um mandato presidencial para o general Pinochet que, mesmo assim, só deixou o poder dois anos depois.
  3. Termina a última grande novela da Globo – Vale Tudo, além de ser uma trama que consolidou as carreiras de Aguinaldo Silva e Gilberto Braga, homossexuais assumidos, consolidou um gancho criado numa novela anterior e seguido por muitas novelas posteriores: “Quem matou Odete Roitman?” A cena final, do bandidão (Reginaldo Farias), fugindo com a assassina (Cássia Kiss) e mandando uma “banana” para o Brasil tornou-se emblemática do país podre em que vivíamos (governo Sarney, o ‘dono’ do Maranhão) e vivemos até hoje… Incrível que a Globo, um dos pilares desta podridão, tenha produzido e colocado no ar aquela novela (ou já foi um recado? Bandidos e assassinos ficam livres, leves e soltos… desde que patrocinados pela Globo?)

Por fim, uma notícia realmente alegre: Nana nasceu! Feliz balzaquianice e que os deuses continuem te abençoando…

 

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