Forças Armadas nas ruas

Que me perdoem os deputados, senadores e supremos juízes do Brasil…sil…sil, mas a onipotência, a onisciência e a “onipresência”  de Vossas Excelências está transformando o brasileiro médio numa excrescência mental, um ser inteiramente robotizado pela televisão ou redes sociais, que dá muito mais importância à aparência do que ao conteúdo das coisas.

Quantas passeatas, panelaços, buzinaços, classe média trajada de verde-amarelo enchendo avenidas de capitais e grandes cidades a protestar contra a corrupção, contra o ‘desgoverno’, contra o aumento de passagens de ônibus já aconteceram nos últimos 04 anos? Em quantos destes movimentos “de massa”, cartazes, faixas, gritos foram dados exigindo a volta dos militares ao poder?

O que faz pessoas de cabelos brancos (ou carecas), cheios de rugas e marcas da idade saírem às ruas a pedir a volta dos militares, é explicável: geralmente são pessoas de classe média média ou alta que construíram suas vidas no período da ditadura e, como não tinham a menor preocupação com liberdade, igualdade e fraternidade, ainda acham que o mundo é dividido em classes: aqueles que podem muito, aqueles que podem e aqueles que ralam para que aqueles que podem muito e aqueles que podem vivam bem…

Outros que levam cartazes tipo “Intervenção Militar Já”  são milicos de pijama (ou suas dignas consortes), que tiveram uma vida boa durante a ditadura e sentem saudades daquela época, quando mandavam sem ser contestados, como soe acontecer num quartel.  E muitos jovens nascidos na década de 80, que não têm a menor ideia do que seja uma ditadura e acham que um regime forte significa enquadrar todos aqueles que agem ‘errado’, de acordo com a lei, esquecendo que a lei, num regime forte, é determinada por quem detém o poder, não pelo que a Constituição diz. Ou seja, se um ditador diz que mijar numa árvore é punível com a morte, quem fizer isto num Carnaval de rua e for pego, será fuzilado… de acordo com a lei!

Fato é que depois de 1985, quando os militares se recolheram aos quartéis e que aqueles que extrapolaram suas prerrogativas ditatoriais, aqueles famosos guardas da esquina de que tinha medo Pedro Aleixo – os jovens que clamam pela volta dos militares tem alguma ideia do que estou falando? – foram anistiados de toda e qualquer maldade, a democracia brasileira evoluiu aos trancos e barrancos, e chamava os militares de volta às ruas apenas quando as forças policiais se mostravam incapazes de resolver conflitos insanáveis (Polícia Militar contra o Estado, por exemplo).

E aí vem a pergunta que nunca é feita: resolveram?

Vou me ater à última intervenção militar, acordada entre o governo central e um governo estadual, o do Rio de Janeiro. A notícia do UOL de 22/09 último é a seguinte: “Após anúncio do ministro da Defesa, Raul Jungmann, militares das Forças Armadas e blindados entraram nesta sexta-feira (22) nos principais acessos da favela da Rocinha… para reforçar a segurança na  zona sul do Rio de Janeiro, para reforçar a segurança da comunidade e apoiar a ação da Polícia Militar. Ao todo, 950 militares, além de blindados, são deslocados para a região. A comunidade vive hoje seu sexto dia violento após sofrer tentativa de invasão por traficantes rivais, no domingo (17)….

Prestem atenção, no vídeo acima, nas legendas que acompanham as imagens bem marcantes da ocupação feita pelas Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – das ruas da mais populosa favela do Rio de Janeiro: 950 militares… fortemente armados… dez blindados… autorizado após 5º dia de tiroteios… operação será realizada até que situação seja controlada… objetivo é expulsar o grupo que controla o tráfico de drogas…

Agora, leiam, com atenção redobrada, o que informou a grande imprensa sobre a situação quando da retirada dos 950 homens das Forças Armadas da Rocinha:

“As Forças Armadas deixaram nesta sexta-feira (29) a favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, que tem sido palco de uma disputa entre traficantes rivais pelo controle do tráfico de drogas. Apesar do discurso oficial de que a situação na comunidade teria sido estabilizada, houve novo tiroteio na noite de quinta-feira (28). De acordo com a PM, militares do Batalhão de Choque trocaram tiros com seis homens fortemente armados”. (UOL, 29/09)

“Dois dias após a saída das Forças Armadas da Rocinha, na zona sul do Rio, a favela voltou a registrar tiroteios, na manhã deste domingo, 1. De acordo com a Polícia Militar, o confronto foi causado entre policiais do Batalhão de Choque e criminosos, na Rua 2. A assessoria da PM informou que policiais estão “vasculhando o local”, mas não respondeu se houve feridos.(Estadão, 1º/10)

“Desde que as Forças Armadas deixaram a Favela da Rocinha, na zona sul do Rio nesta sexta (29), moradores relatam situação de tensão no local. Na madrugada desta segunda (2), houve tiroteio entre policiais, que permanecem no morro, e traficantes, e falta energia em algumas localidades.” (Veja, 02/10)

O Ministro da Defesa, Raul Jungman, que falou pelos cotovelos durante a ‘ocupação’, tentando faturar com a presença das Forças Armadas na Cidade Maravilhosa, voltou à sua insignificância após as tropas se recolherem aos quartéis. E os chefões do tráfico devem ter chegado a um acordo sobre quem assumiria definitivamente o comando da Rocinha, provavelmente mantendo o atual “capo”, Rogério 157, ex-segurança do ex-chefão Nem da Rocinha, preso em Bangu desde 2011, e que vinha exercendo o poder desde então, sem maiores problemas.

A coisa degringolou quando o atual chefão expulsou a mulher do ex da favela e o ex resolveu retomar seu comando, mesmo preso. Tanto é que a mulher do ex, Danúbia, foi presa pela polícia na Ilha do Governador, o que nunca aconteceria se ela tivesse permanecido na Rocinha, mesmo com as Forças Armadas operando por lá.

A rotina, pois, voltou aos parâmetros normais: um assassinato aqui, vários ali, uma troca de tiros acolá, uma bala perdida

acertando um cidadão comum que não teve tempo de se esconder debaixo da cama, um rifle, balas e alguns quilos de pasta de coca apreendidos numa operação do BOPE (nada comparado com aquele helicóptero mineiro apreendido no Espírito Santo, claro!)… tudo como dantes fora do quartel de mandantes!

Por falar em Espírito Santo, alguém se lembra daquela outra investida das Forças Armadas, a pedido do Estado, nos municípios da Grande Vitória? Eu refresco a memória: por força de um movimento de mulheres de policiais militares do Estado, que ocuparam as frentes dos quartéis de seus maridos, ‘impedindo-os’ de sair para trabalhar, Vitória e cidades vizinhas foram praticamente ocupadas por bandidos de todas as categorias. As Forças Armadas entraram em ação: 1.200 homens do Exército, Aeronáutica e Marinha e da Força Nacional foram patrulhar as ruas para impedir que o número de assassinatos havidos em poucos dias – 65 – se multiplicasse.

Ainda sob “intervenção” militar, governo e representantes dos policiais sentaram-se à mesa e negociaram um aumento salarial – que vinha sendo negado há três anos – a Polícia retomou seus trabalhos e as Forças Armadas se aquartelaram, voltando a Grande Vitória à sua estatística policial normal, 20/30 mortos/dia…

O que me lembrou, na época, uma famosa passagem do governador mineiro Milton Campos: certa vez, diante de uma interminável greve de ferroviários, assessores palacianos, com apoio do comandante da Polícia Militar, sugeriram a ele que enviasse um trem com soldados para acabar com a greve. Milton Campos escutou o conselho com a cabeça baixa demonstrando atenção máxima. Feita a sugestão, retrucou que a ideia era brilhante, mas ele preferia mandar um trem-pagador mesmo…! O trem foi e a greve acabou. Sem violência!

 

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